Cena de um mundo politicamente correto

O local é um ônibus. Uma velhinha faz sinal para entrar. Ele entra e vê que todos os lugares estão ocupados. Inclusive os lugares para os portadores necessidades especiais. Ela espera que alguém tenha a educação de ceder o seu lugar. Mas isso não acontece. Até que na próxima parada alguém se levanta e desce. A senhora se arrasta até o assento vazio. Mas antes que isso fosse possível alguma estudante de colégio senta no lugar.

Isso é normal e acontece muito. E é ainda mais freqüente o caso das pessoas que sentam na poltrona do corredor bloqueado a poltrona da janela. No mundo atual o máximo de educação que se presencia é quando alguém diz:
- Senhora, sente- se aqui. Eu já vou descer.
Sim, percebam que a gentileza é fruto apenas do fato de que a descida está próxima. Se a pessoa fosse descer vinte pontos adiante, azar da velha.

Se o mundo fosse um lugar educado e politicamente correto, a cena seria assim:

A senhora entra no ônibus. Ela percebe todos os lugares ocupados. Então alguém prontamente se levanta.
- Sente-se aqui senhora, eu estou para descer já.
As pessoas olham surpresas, ao que outra voz do fundo grita.
- Não senhora, por favor. Sente-se aqui no meu lugar. – e completa – E eu não estou para descer!
A cena é comovente. Escutam-se até alguns aplausos discretos. Ao que o primeiro a oferecer a gentileza diz:
- Pois bem. Descerei só daqui a vinte pontos! Descerei muito longe da minha casa. Caminharei a pé. Ou pegarei outro ônibus. Farei de tudo só para ter o prazer de que a senhora possa se sentar no meu lugar.
O Outro torna a responder.
- Não. Sente-se aqui. Veja, estou com a unha encravada. Sacrificarei-me aqui em pé, tomando topadas na minha unha, apenas para que a senhora possa ter todo o conforto possível.
- Não! Veja. Quebrarei minha perna! Ficarei aqui completamente dolorido, me martirizando, sofrerei as piores dores possíveis, e farei isso com o maior prazer possível, apenas para que a senhora possa ir sentada. Ó deus! Abençoado seja esse momento em que esta pobre senhora pode se sentar confortavelmente neste ônibus lotado.
- O que você quer? Veja, irei retirar o colega do meu lado, até corro o risco de apanhar dele. Irei te oferecer duas poltronas vazias para que a senhora possa ter ainda mais espaço!
- E eu te ofereço água. Dinheiro. O que você quer para sentar aqui?
- Opa, suborno não vale!
- Porque não? Além de conforto oferecerei uma saúde financeira.
- Então – saca uma arma- ninguém desce dessa porra até a senhora sentar na minha poltrona!
- Calma aí amigo.
Apreensiva a velhinha tenta interromper a discussão.
- Calma senhora. Eu sei que você quer se sentar aqui! Lutarei até o fim para que isso aconteça, nem que eu tenha que pagar com a minha vida.
- É...
- Não fale! Poupe suas energias. Você já está em pé.
- É que meu ponto...

O ônibus para e a velhinha desce. O ponto dela já tinha chegado.

- Mas que desfeita.

Comentários

Dado Doria disse…
Eu pediria a velha em casamento.
hehe muito legal velho.. curti o blog
Adérito Schneider. disse…
Só o fato de existir cadeiras prioritárias para idosos, gestantes, deficientes físicos etc mostra que o mundo não anda muito educado.
Mariana disse…
eu passaria uma procuração dando a ela plenos poderes sobre meus bens.
(se eu tivesse bens, claro).