O Caminho da Morte

Atenção. Este post é ligeiramente mórbido e desaconselhável para aqueles que acham que não se brinca com vida e morte.

Muitas vezes a morte é a melhor solução. Bem, não estou aqui redigindo um bilhete suicida e muito menos aconselhando que alguém pegue um arma e de um tiro no meio da cabeça. Ou que se enforque. Ou que corte os pulsos. Ou que se jogue do alto do prédio. Ou que mergulhe com uma torradeira na banheira. Ou que enfie um lápis pelo nariz.

O que digo é que a morte muitas vezes limpa a barra das pessoas. Transforma qualquer um em herói. Por mais erros que você tenha cometido na sua vida, a morte irá te livrar dos pecados. Apenas as suas virtudes serão lembradas, mesmo que elas sejam praticamente insignificantes.

Temos alguns casos, até recentes. Michael Jackson por exemplo. Todo mundo se referia a ele como “um freak show ambulante do caralho, ser escroto, demente, pedófilo, retardado, viado decadente que pendurou os filhos na janela”. Foi apenas o cara morrer para que voltasse a ser o ídolo das multidões. O dono do disco mais vendido da história, o rei do Pop, um dançarino sensacional e um humanitário. O caso de pedofilia passou a ser uma invenção, apenas.

Antônio Carlos Magalhães. Com sua morte de uma hora para outra ele deixou de ser o exemplo de político ultrapassado, símbolo do coronelismo que mandava matar adversários políticos e era corrupto. Passou a ser valorizado por ser um homem de postura firme que sempre se manteve fiel as suas convicções.

Até mesmo o Clodovil. Deixou de ser a bicha louca que envergonha o país falando besteira na TV e que era a prova cabal da decadência do Congresso brasileiro, além de ser o símbolo de que brasileiro não sabe votar. Virou um apresentador histórico, que sempre teve coragem de assumir suas preferências e transformou suas extravagâncias em moda. Além de ter tido uma passagem curta e marcante por Brasília.

Um caso bem antigo é o do Getúlio Vargas. Que foi um ditador brasileiro, que durante 15 anos torturou pessoas e censurou jornais. Apoiava o fascismo do Mussolini e governou o país sem constituição. Saiu do poder e voltou alguns anos depois. Mandou matar inimigos políticos. Deu um tiro no peito e virou o eterno pai dos pobres e um símbolo de liderança a ser seguido pelos futuros presidentes.

Fora os anônimos que morrem em condições insólitas e de uma hora para a outra viram símbolos. A Isabellinha que virou o símbolo da violência contra as crianças. A Eloá que alertou o mundo para os problemas de relacionamentos doentios. Fora os atletas e artistas que morrem em condições trágicas e viram mártires. Ayrton Senna que deixou de ser um dos melhores pilotos da história para virar Deus e símbolo do Brasil que todos queremos ser. Os Mamonas Assassinas que deixaram de ser uma banda divertida para ser o símbolo de juventude correta e alegre.

Agora, imagine se algumas das figuras controversas da atualidade acabam morrendo. (isso não é uma torcida)

José Sarney tem um ataque epilético e morre sentado em sua cadeira. Logo ele deixaria de ser tudo aquilo que o ACM também era. Passaria a ser também um homem de fortes convicções e personalidade. Um homem de coragem que aceitou comandar o Brasil num dos períodos mais difíceis da história e comandou com firmeza o processo de transição para a democracia. Além disso, teve uma grande contribuição para o campo das artes no Brasil, grande pintor e escritor que era. Talvez sua morte tenha vindo até em bom momento para que as maldosas especulações da oposição não manchassem a sua brilhante biografia.

E se na próxima corrida de Fórmula 1 um meteoro atingir Rubens Barrichello? O exemplo de atleta brasileiro fracassado que nunca ganha nada e que só nos envergonha seria esquecido. Rubinho passaria a ser um homem que nunca desistiu dos seus sonhos e que passou a vida fazendo e lutando para melhorar aquilo que ele mais gostava, que era correr com carros. Morre o homem, fica o exemplo.

E se o médico estuprador Roger Abdelmassih morresse hoje? Era capaz de ele ser considerado um idealista que proporcionava a felicidade para vários casais e que graças a acusações infundadas teve sua vida manchada. Pena que não pode se defender em vida.

Suzana Vieira deixaria de ser uma maluca que só faz todo mundo sentir vergonha por ela para se transformar numa das maiores atrizes da história do universo. Além dos atributos básicos de qualquer defunto “era uma pessoa de atitude, fiel às suas convicções e de personalidade forte. Muito generosa, sempre com um sorriso aberto, disposta ajudar. Sua felicidade contagiava o ambiente”.

Percebam. Pessoas omissas, contraditórias, covardes, mesquinhas, tristes e egoístas nunca morrem.

Mas, é claro. Para isso é necessário que o morto seja famoso, ou que tenha morrido em condições trágicas. Se você for um desconhecido que morreu dormindo não será nada. O máximo que poderá acontecer é as pessoas mandarem scraps no seu perfil do Orkut. Afinal, o Scrap no Orkut do falecido substituiu as flores no túmulo.

Comentários

Mariana disse…
Minha avó mesmo, vive dizendo que Getúlio Vargas é que era bom presidente. E nada do que eu diga vai convence-la de que na verdade ele era um ditadorzinho fascista da pior espécie.

Isso, claro, porque ela vivenciou toda a comoção que foi aquele suicidio dele, e aquela carta muito bem escrita (ele deve ter demorado uma semana pra escrever aquilo).

Quando ACM morreu, eu comemorei. Sei que é feio desejar a morte dos outros, mas pelo menos a satisfação íntima por uma 'tragédia assim' não é crime tipificado no código penal. Somos livres pra nos sentir felizes com coisas assim.

Mas foi estranho ver gente sentido falta do político que ele era.
Adérito Schneider disse…
Assim como no rock. Se o cara não morrer de overdose, afogado no próprio vômito, dar um tiro na cabeça, assassinado por um fã etc, jamais será uma lenda. Com execeção do velho Berry, que é uma lenda viva e disputava com Dercy quem ia primeiro. Ainda bem que ele perdeu.
É, o Getúlio nunca me enganou. Eu gostava do Michael e não acreditava nas histórias de pedofilia. Mas esse médico aí deu a explicação mais engraçada dos últimos tempos: as mulheres estavam dizendo aquilo por efeito de fantasia provocada pelo anestésico. Super plausível! Será que ele e o Gilmar Mendes combinaram de juntar no mesmo ano as justificativas mais hilárias ever? Sim, ainda há um pouco de amargura no meu coração.

Andreza, jornalista e posso cozinhar também.
Gressana disse…
É mesmo hipocrisia do caramba. O duro é que essa canonização só vale mesmo pra famosos, enquanto nós meros mortais temos que ser bons de verdade pra sermos lembrados por isso.
Augusto disse…
Olá Guilherme,
cheguei aqui meio por acaso e estou só "folheando" o blog. Concordo com muito do que você diz, e mais ainda com a sua maneira de dizer. Ia sair sem nem comentar, mas resolvi escrever isto aqui por causa da sua referência ao Rubens Barrichelo.

Acho que o cara ganhou coisa pra caramba, e é um belo exemplo de atleta sim, mas ficou em evidência ainda durante uma época em que, como no Brasil ainda estávamos no estágio puerperal de autoestima, precisávamos desesperadamente de heróis e ídolos, só valorizávamos o número 1 e desprezávamos do segundo lugar para baixo.

Se não ganhou, é pior do que os que nem tentaram, parecia ser o "moto movere" da época, e isto ficou colado nele. Tudo bem, não discuto que carisma é essencial para a referência.

Um bom exemplo, na mesma área, é o Senna, que além de ser mais apelativo que competitivo, era viado e tentava disfarçar isto namorando umas vacas famosas (Xuxa e Galisteu) e após a morte, virou O exemplo.