A arte de falar bonito

Prefácio
Fazia algum tempo que eu pensava em fazer em post. A idéia amadureceu de vez depois que eu vi a discussão entre Pedro Simon, Renan Calheiros e Fernando Collor no Senado.

É mais uma daqueles momentos do Senado que todo mundo logo vai esquecer. O assunto era José Sarney (eleito por oito anos consecutivos o homem mais demonizado do Brasil). Simon criticava o Amapaense/Maranhense quando Calheiros (sex symbol e seis vezes escolhido o guardião da ética da Nicarágua), foi defender Sarney. Collor entrou no meio da história. E é aí que nos interessa.

Collor, ex-presidente do Brasil, célebre autor de bordões, bastião da moralidade brasileira e viado velho, foi se defender. Com ódio em seus olhos, sobrancelha arqueada e mortalmente ofendido, ele proferiu palavras contra Simon, como é possível ver no vídeo abaixo.




A primeira coisa que se nota, é que Collor se segurou para não soltar a franga. Ele estava à beira de surtar. Para mim, estava claro que ele ficou a um fio de cabelo de arrancar o terno, vestir uma cueca de coelhinho e começar a rolar em cima da bancada gritando “eu sou um coelhinho, eu sou um coelhinho! hohohohoh”.

Mas o que importa é: como falou bonito Collor. Como ele disse palavras complicadas que ninguém entendeu. Em um dos trechos ele se refere aos hebdomadários brasileiros. Isso significa “revista Semanal” e muito provavelmente, Revista Veja.¹

Eis então que ele diz as seguintes palavras. Em um momento que eu considero como o mais nobre e sublime da história do país “nem quem mais esteja deblaterando como o senhor deblatera, parlapatão que é desta tribuna”. Em um português normal isso poderia ser traduzido como “falá merda comocê fala, fidumaputa que cê é”.

Feita essa consideração inicial, falemos logo sobre a arte de falar bonito.

Prédificio.

Uma breve análise do discurso proferido pelo excelentíssimo ex-presidente da república pode dar uma falsa idéia de que falar bonito é simples. Oras, isto é uma falácia. Esta é uma arte, que para ser praticada faz necessária ao interlocutor enorme destreza e sapiência. No entanto, algumas dicas podem ser aqui ditas para que o nobre leitor possa, quem sabe, dominar essa arte secular, quiçá milenar.

O primeiro item que necessita ser notado é o tempo da fala. Não se pode de maneira alguma falar rapidamente. Esta fala rápida denota certo nervosismo, como se o discurso fosse decorado. A fala precisa ser pausada. Dando a entender que cada palavra é pensada, pescada friamente em sua mente. Escolhida a dedo para aquela situação. É preciso convencer aquele que o ouve de que realmente não haveria palavra melhor para expressar o que você deseja.

A fala pausada ainda chama a atenção para essas palavras. Elas não se perderão no meio do contexto. Elas é que serão o contexto. E assim, todos vão prestar atenção nas palavras difíceis e esquecer-se do que você falou. Collor por exemplo, mandou o Simon engolir as palavras dele e as digerir da maneira que julgar conveniente. Estou pensando deste então nas várias maneiras possíveis de se digerir alguma coisa.²

Claro. Você precisa ter um longo e vasto vocábulo. Anote todas as palavras difíceis que você escutar, como “circunspecto”. E até mesmo o Parlapatão. No entanto, parlapatão está na moda. Aquele que realmente fala bonito não irá usar “Parlapatão”. Apenas daqui a uns bons seis anos ela poderá voltar a ser usada. Quem fala bonito é original. Escolha uma palavra difícil do dicionário e use-a “vocês estão lobrigando” ou “este visual rocioso que apresentas”.

Um outro importante fator que ajuda essa nobre arte é falar em ordem indireta. Esqueça o sujeito-predicado. Bagunce completamente suas frases. Aprenda com o hino nacional

“Ouviram do Ipiranga as margens plácidas
De um povo heróico um brado retumbante”

Na verdade é apenas “Ouviram um brado retumbante de um povo heróico as margens plácidas do Ipiranga”.

Utilize “tu” ao invés de “você”. E “vós” no lugar de vocês. “Vós sois competentes na função a qual são atribuídos”.

Termos em latim, ou até mesmo em francês são bem vindos.

E por final, uma coisa mais fácil e popular. Utilize barras. É preciso ser honesto para/com meus leitores e/ou adimiradores.

¹Aliás, é vergonhoso que as pessoas estejam discutindo se o Collor ou se o Simon é melhor. O grande fato dessa história é o uso de parlapatão e deblaterar na mesma frase.
²Outro exemplo é que Collor diz “minhas relações com o senador Renan Calheiros são conhecidas. E são relações das quais eu não me envergonho”. Ou seja, ele aceitou um romance homossexual em plena tribuna e ninguém notou.

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