Trabalhos escolares

Na minha época (começar um texto assim denota uma sensação de muita velhice) fazer um trabalho escolar não era fácil. Isso lá pela terceira série, quando a professora de programa de saúde mandava fazer um trabalho sobre doenças transmitidas por vírus. Você arrumava uma enciclopédia na casa de uma tia, abria na página “raiva” e copiava o que a enciclopédia dizia. Copiava a mão numa folha de papel almaço.

Sim, você copiava tudo, mas copiava a mão, tendo que ler. Era um trabalho. Lá pela quinta série, os computadores se popularizavam e você começava a fazer a mesma coisa pelo computador. Alguns professores paranóicos na época não aceitavam trabalhos digitados, sob a justificativa de que não era possível saber quem era o autor. Precavidos demais. Isso era a época em que o Cadê era o buscador mais utilizado e que alguém dizia “conhece o Google, parece que ele é bom”. As pessoas nem sabiam direito da função do copia e cola.

E, claro, a internet era discada. E nem existiam tantos sites bons assim sobre qualquer assunto. Só lá pela época do primeiro/segundo ano (2002, 2003) que mais pessoas começaram a ter a tal banda larga. Nessa época, as tradicionais cartolinas de trabalho em grupo, aquelas que você se reunia antes da aula, colava umas fotos, e ficava discutindo quem tinha letra mais bonita pra escrever, elas foram substituídas pelas apresentações de slide em Power Point. Era sempre bom fazer grupo com alguém que soubesse mexer no Power Point. E, é claro, o disquete sempre dava problema. Eram poucas pessoas que tinham gravador de CD. E um CD-RW era objeto de desejo “sei de uma loja que vende CD-RW por 6 reais só”.

Enfim, as coisas mudaram. Hoje todo mundo tem internet banda larga (aliás, é difícil imaginar como é que as pessoas viveram tanto tempo sem isso), qualquer criança sabe usar o Power Point, o Google te leva a qualquer lugar do mundo, e os pen-drives acabaram praticamente com o problema de compatibilidade. Qualquer coisa, você pode mandar o trabalho pelo e-mail, eles tem capacidade liberada. Quem se lembra do tempo em que você tinha que viver esvaziando a caixa de e-mails porque o limite era de 6 megas?

Enfim. Essa longa introdução foi para chegar nesse ponto. O Google leva você a qualquer assunto. Pesquise por “raiva” no Google. Vários resultados, que parecem confiáveis. Agora pesquise por “O Brasil nas Olimpíadas”. Tantos outros resultados que parecem confiáveis também. Opa, peraí! O CH3 é o segundo resultado! Como assim? A professora passa um trabalhinho pros alunos sobre o Brasil nas Olimpíadas, e a criança caí aqui no CH3. Copia, cola e manda pra professora.

A professora então vai ler coisas como “os atletas brasileiros são sempre cagados”. Bem, isso já aconteceu. Um garoto da quarta série de um colégio do rio de janeiro publicou o começo do texto num slide de Power Point com a foto do Alexandre Pato. É um texto mais inocente sem dúvida.

Triste, é o que aconteceu com o menino Fabinho. A professora pediu um trabalho sobre como acabar com o mosquito da dengue, ele procurou no Google, caiu no CH3 e entregou pra professora. A professora começou a ler “observe como o mosquito age. Veja a hora que ele sai pra trabalhar, se volta pra casa pra almoçar”. A professora então disse “que porra de trabalho é esse Fabinho?”

Começou a ler o trabalho em voz alta para a turma. Pediu para que as outras crianças apontassem o dedo para o menino e rissem dele. Depois Fabinho foi obrigado a usar uma roupa de mosquito e lamber o chão.

Duas semanas depois a professora passou um trabalho sobre doenças perigosas. Fabinho caiu no CH3 novamente (menino burro também) e entregou para a professora um trabalho sobre o distúrbio tobamaníaco. Novamente, a professora o humilhou e o mandou... bem, nem vou dizer o que a professora mandou ele fazer.

O pior, é que semana passada ele teve um novo trabalho. Dessa vez sobre a gripe suína. Não, ele não caiu no post das máscaras. Pesquisou na Wikipédia, na Larrouse e na Barsa. Entrevistou médicos do instituto Adolf Lutz. Mesmo assim, a professora humilhou ele, rasgou o trabalho e mandou ele passar o dia inteiro mastigando o conteúdo da lixeira da sala, como um porco. Pobre menino Fabinho. Ele tem só 9 anos.

Comentários

Gressana disse…
Hahaha, esse post me deu uma saudade!
Papel almaço, cartolina, disquete...
Como as coisas eram difíceis.
Anônimo disse…
hahaha, post nostálgico... até mais ou menos a sétima série (2002), eu tinha uma professora de história que não aceitava trabalho digitado. Pouco paranóica...

Mas o melhor foi "conhece o google, parece que é bom"... Como as coisas mudam numa velocidade espantosa!! Isso foi ontem.

E é estranho que algumas pessoas continuem alheias a tudo isso...