Negócios infantis

Quando você é pequeno, você escuta o apresentador do jornal falar da queda da bolsa, do aumento do dólar, da inflação, do preço da arroba do boi e dos superávits, precatórios e coisas assim. E você não sabe o significado de nenhuma dessas coisas. Talvez da inflação, quando aquele gibi que você comprava por 1 real passa a custar 1,20.

Os jornalistas também gostam de dar exemplos como “dinheiro suficiente para comprar 19 carros populares” ou “duas mansões de luxo”. Para uma criança essas comparações não tem o menor sentido. Afinal, o dinheiro para uma criança é medido no quanto de bala se é possível comprar.

No meu tempo a bala custava em médio cinco centavos. Era um dos grandes prazeres da infância é chegar na cantina com uma nota de um real e falar “me vê tudo em sete belo”. Céus, eram 20 balas! Você saia com o bolso cheio. Logo alguém notaria aquilo e iria falar “o, me dá uma bala”. Claro, você tentaria negar que tivesse qualquer bala. A outra pessoa perguntaria “e o que é isso no seu bolso então?”. Nada não.

Travaria se uma batalha verbal então:
- ô, sujeira, dá a bala aí.
- Não cara, não posso.
- pô, você tem um monte aí.
- ...
- você vai ver cara, próxima vez que eu tiver bala eu não vou te dar não.
- ...
- dá uma aí logo pô.

Mas é claro que não era sempre que você estava nessa situação latifundiária com as balas. Havia as vezes que você gastava meros 20 centavos. E resolvia comprar ainda as deliciosas balas de caramelo, ou, as metade caramelo, metade chocolate. Você comprava quatro balas, e dava uma para cada um dos seus dois melhores amigos. E ficava com três.

Nesse momento uma outra pessoa passava pelo seu amigo e dizia “me dá uma bala” e seu amigo dizia “não sou eu, ele é que tem”. E aí lá vinha o cara pedir as balas. Nesse momento você só tinha mais uma e não queria abrir mão desse prazer. O pedinte então partia para mais suja das tática e gritava “o, Fulano tem bala”. (claro que ele poderia ter feito isso na situação das 20 balas também, mas isso resultaria em linchamento).

E aí então metade do colégio vinha na sua direção lhe pedindo a bala. Você até poderia tentar fugir, mas logo seria capturado. As pessoas começam a utilizar os melhores argumentos “o, eu te dei bala aquela vez” – “te chamei pro meu aniversário” – “te chamei pra jogar futebol”. Não havia como escapar. Você só poderia fazer uma última coisa – barata voa.

Claro que o barata voa não era a solução que todos queriam. Você queria a bala para você, e todos que se sujeitam a participar do barata voa também queriam. E saem te amaldiçoando “dá próxima vez você vai ver”.

Em nível de barbárie infantil, o barata voa só fica atrás do papo de peru. Já vi muitas amizades se desfazendo nessa situação. Já vi muitas vidas se perderem, sim crianças, eu vi.

As pessoas se posicionavam em um determinado lugar. E você jogava a bala na direção deles. A partir daí a situação não tinha controle. Valia tudo. Se bobear até pisar na mão de quem já havia pegado a bala. A situação nunca ficava em controle. Quem jogou a bala seria acusado de ter mirado em certa posição para favorecer um dos concorrentes. Quem pegava a bala se sentia o vencedor da loteria. E havia os sacanas que na hora de jogar a bala, jogava-a para um lado oposto.

Na economia infantil também existiam as balas de cereja, mais baratas, e que quando alguém te pedia você dava a desculpa de que tava usando pra garganta. É claro que ninguém acreditava. Haviam os chicletes que custavam dez centavos. Quem comprava um chiclete estava milionário provavelmente. Na ética infantil, dar um chiclete para alguém era quase um pedido de casamento. Os chicletes costumavam a vir com tatuagens. Mas esse é outro assunto.

E por fim tínhamos os pirulitos que custavam inacreditáveis 15 centavos. Porque, eu não sei. Eles eram do mesmo tamanho de uma bala, só que com um palito enfiado no meio. Mas os pirulitos significavam prestígio. Os caras mais legais da turma chupavam pirulitos. Um pirulito era algo como um charuto, uma Ferrari ou um helicóptero. Chupar um pirulito era como sair na capa da Caras.

Lembro-me inclusive de uma vez na quinta série, quando um colega de sala subornou a turma toda com pirulitos, para ser eleito líder religioso da turma. Sim, ele ganhou com 100% dos votos.

Comentários

Gressana disse…
Eu fui uma criança que teve sorte de viver quando os chicletes eram apenas 5 centavos. Mas não durou muito tempo eles passaram a ser 10. Foi dureza completar a coleção de figurinhas do Rei Leão com essa crise do chiclete.

E barata voa, hahahaha!! Era uma crueldade só. A molecada virava selvagem.
Zequias disse…
Barata voaaaaaa...ahhhhh que saudades huahushuahsashuash
Thiago Borges disse…
Tempos de glória...mas eu não era muito dessas coias, prefiria chocoltes.

Mas essa do suborno, é por isso q Igreja e poder são tão próximos