A Busca por Pai Jorginho de Ogum - Parte V ( Final)

O pastor e sanduíche

Era um bom hotel. Agradável, com uma boa paisagem. O único problema era a propaganda do Zezinho. O Carro que tocava o jingle ficava subindo e descendo a ladeira durante o dia inteiro. Portanto, a cada meia hora aquela música “Jovem, escute o que eu vou falaaaaaaaar” tocava. E não havia escapatória. Não havia um lugar para onde se pudesse fugir. E durante meus dias na cidade, não vi propaganda de nenhum outro candidato. E a cidade tem menos de cinco mil habitantes. Pra que tanta propaganda? Alto Caparaó deveria ser provavelmente a cidade com a maior propaganda política per capita do país.

Peguei um informe sobre a cidade, para imaginar onde o pai Jorginho poderia estar. Talvez no Parque Nacional, talvez na própria cidade, ou talvez numa cachoeira da região. Poderia estar também numa plantação de café, mas aí seria quase impossível encontrá-lo.

Mas antes, era necessário jantar. Em frente ao hotel existia um lugar chamado “Estância Gourmet”. Três copos para cada pessoa, 400 garrafas de bebidas alcoólicas em cima de um balcão espelhado e o chefe de cozinha estava vestido que nem os chefes de filme. Pensei que deveria ser um restaurante caro. Era melhor procurar outro lugar.

O problema é que esse outro lugar não existia. Não existia um único outro restaurante aberto na cidade. A única opção era se preparar para gastar dinheiro naquele restaurante. Qualquer coisa, o Cão Leproso lavaria a louça. Ou então o colocaríamos para fazer malabarismo no semáforo e ganhar algumas moedas. Bem, a cidade não tinha semáforo.

A temperatura era de 18º. Mas, as mulheres estavam usando casacos de pele e cachecóis. Botas e luvas de couro. Perguntei se eu poderia entrar, ou se aquilo era uma cidade cenográfica. Ou se então era um portal. Uma lavagem cerebral. Quem entra no “Estância Gourmet” acha que está nos Alpes Suíços.

Pedi o cardápio. E nem era tão caro. Sim, era caro, mas não caro quanto podia ser. Abri o cardápio e comecei a ler as opções. French rec de carneiro ao molho de damasco. Codornas fritas ao molho de Jabuticaba. Filé de truta recheado com alho e queijo. Passei meus olhos em busca de um bife à milanesa, um filé com fritas, um frango à parmegiana. Em vão. O que consegui foi uma lasanha de presunto e queijo. A pior lasanha que eu já comi na minha vida.

No dia seguinte resolvi passar por umas trilhas dentro do hotel. O local tinha uma grama alienígena que subia pelos caminhos. Era aterrorizante. Fui então até o Parque Nacional. Estava nublado, não vi o Pico da Bandeira, olhei a paisagem e enfim. Percebi que, caso pai Jorginho estivesse lá, eu jamais conseguiria encontrá-lo.

À tarde fui percorrer a cidade. O que não demorou mais do que 15 minutos. Nesse tempo descobri algumas coisas interessantes. Que por exemplo, todos os queijos minas da cidade, vêm do Espírito Santo. Mas, também ouvi relatos sobre um pastor novo na 4ª Igreja Presbiteriana de Alto Jequitibá. Sim, Alto Jequitibá era ali do lado, onde ficava a tal da cachoeira da Andorinha. Estaria lá no dia seguinte.

A noite, era hora de voltar ao fenomenal “Estância Gourmet”. Talvez por ser uma segunda-feira, os turistas tinham ido embora. Mas, estava acontecendo uma reunião do Rotary Club. As pessoas sentadas em uma roda, inclusive o chefe de cozinha. Pensei “vai ser difícil sair alguma comida aqui”. Descobri algo muito importante, que poderia mudar minha vida. O lugar também fazia lanches. Pedi um sanduíche com hambúrguer, presunto, queijo e ovo.

As pessoas da reunião do Rotary Club discutiam. De repente, alguém falava alguma coisa, tocava um sino, e as pessoas aplaudiam. Quando o sino tocava mais forte, as pessoas aplaudiam de pé. Aquele ritual chato fez parecer que o sanduíche demorou mais do que realmente havia demorado.

A garçonete então veio com o sanduíche. Em um prato quadrado grande o sanduíche estava dividido ao meio. Em um canto, um pão com hambúrguer, presunto e queijo. Na outra, outra fatia de pão com um ovo em cima. Nos outros dois cantos, um tomate dividido em quatro partes, e um morango dividido ao meio. Era para se comer com garfo e faca, o que deixou o Cão Leproso desolado. Alfredo Chagas, felizmente, havia se envolvido com a campanha do Zezinho, e estava desaparecido.

Passei o resto da noite pensando na função daquele tomate dividido ao meio.

Acordei para um novo dia, que seria o dia da verdade. Era naquele dia ou nunca, que eu encontraria o Pai Jorginho de Ogum.

Dirigi-me até o Alto Jequitibá, e a igreja Presbiteriana. Por uma incrível coincidência, ela ficava ao lado da entrada para a Cachoeira da Andorinha. Entrei na Igreja e perguntei para um cara que estava lá sobre um novo pastor. “Ele é ótimo. Faz todo mundo chorar com seus sermões”. Ele me mostrou umas fotos do novo pastor. E sim, mesmo com aquela camisa azul social azul clara, dava para perceber que era pai Jorginho de Ogum. “Que escroto” pensei.

Perguntei então aonde é que esse cidadão estava. O cara me disse que ele estava meditando na Cachoeira da Andorinha. E que ele odiava ser interrompido. Isso era típica coisa do Jorginho. Fui então para a área da Cachoeira. Uma placa dizia que era proibido molestar os animais naquela área. O Cão Leproso ficou bem aliviado.

Paguei dois reais para entrar. O Cão Leproso entrou, mesmo sendo proibida a entrada de cães. Dinheiro que turisticamente não é bem investido. A cachoeira parece um cano de água escorrendo. Uma queda de uns três metros. E uma turista gorda jogava um papel de pirulito no meio das pedras. Detalhe, é que ela empurrou o papel com o pé, até uma fresta. Um exemplo de cidadania, escondendo o lixo.

E eis então que no meio de muitas pedras, encontrei o Pai Jorginho de Ogum, com aquela roupa de viado velho meditando. Em volta dele uns maconheiros tocavam Bob Marley no violão. Tentei me comunicar com Pai Jorginho, mas ele estava incomunicável. Lembrei-me então das palavras mágicas que o fazem acordar do transe. Disse “Pai Jorginho, que porra é essa?” Ele acordou. E me olhou com uma cara estranha. Tentou fingir que não me conhecia, mas foi impossível fazer isso com o Cão Leproso.

Ele começou a se justificar, pedir para que o deixassem em paz. Eu perguntei a ele se ele realmente achava que depois de eu ter feito aquela viagem, eu o deixaria lá e iria embora. Depois de alguns minutos de conversa eu ameacei contar a todos que ele era o centroavante do Flamengo naquela derrota de 14x1 para o time de Ornitorrincos autistas das Ilhas Fiji. Ele acabou concordando que realmente deveria voltar.

No carro, voltando para o hotel, perguntei ao pai Jorginho, porque é que ele havia sumido. Ele me disse:

“Eu sai, porque estava atrás do desejo insaciável do homem. Eu estava procurando aquilo que me faz respirar, aquilo que faz meu sangue correr em minhas veias...” O interrompi dizendo “como se fosse possível seu sangue correr nas veias dos outros”, ele então prosseguiu “... O sentimento indescritível. Eu queria o ar mais puro, o céu mais azul, o grito preso na garganta. Eu queria me sentir como ninguém jamais se sentiu. Correr pelos campos, nadar pelos rios, viver cada dia como se fosse o último”.

Eu olhei para o Cão Leproso. O Cão Leproso olhou para mim. E nos dois olhamos para Pai Jorginho. Perguntei se aquilo era uma letra de banda emo. E voltei a perguntar, porque afinal ele tinha ido para lá. Ele então me respondeu:

“Porque eu queria cagar em paz. Eu não agüentava mais, minha privada estava quebrada, eu tinha que cagar na casa do Marcão. E ele não pagava a conta de água. A merda tava ficando toda entulhada, uma em cima da outra. Aquilo era nojento, ninguém merece isso”. Isso realmente fazia sentido. Ele foi pego cagando em Paranatinga.

O Cão Leproso pela primeira vez na viagem disse alguma coisa. Disse que realmente era nojento, e que ainda bem que ele era cachorro, podia cagar na rua. Comentei então que o Marcão havia arrumado emprego na obra da Avenida das Torres, e que já estava pagando a conta de água. Todos ficaram aliviados.

No dia seguinte iríamos começar a voltar para Cuiabá. Queria sair cedo, para não ter que levar Alfredo Chagas. Mas antes, tinha que encarar meu pior desafio. Comer no “Estância Gourmet”. Pedi um queijo quente, a coisa mais simples do cardápio. E qual foi minha surpresa, quando ele veio. Num canto do prato uma fatia de pão com queijo derretido. Outro no outro canto. E nos outros dois cantos, uma fatia de tomate, e um morango cortado ao meio. Sim, eu comi pão com queijo usando garfo e faca.

Comentários

Gressana disse…
A saga do Pai Jorginho devia virar filme!

Eu me emocionei em diversas partes.
Mas por fim, acabou e temos nosso pai de santo de volta.
Thiago Borges disse…
Que pessoal escroto, evitam as aventuras ousadas!!

Já era hora do pai voltar
Anônimo disse…
Sou moradora da cidade em q vc fez questão de tentar desmoralizar, claro, somente tentar pq vc não vai conseguir, pois apezar de nossas limitações gostamos muito daqui, de nossas cachoeiras, nossas matas, nossos hotéias e principalmente daquele q vc agrediu, q é o Estância Gourmet. Ele tem sido uma ótima fonte de empregos para os moradores desta cidade.Ah!! E a prósito, quanto ao morango cortado ao meio, o tomate e etc... vc não pensou no q era óbvio, era um simples enfeite de sua refeição, q era comestível, ou seja, se quizesse poderia comê-lo. E quanto aos sanduíches, se quizesse algo menos sofisticado, poderia ter hido aos vários bares e lanchonetes q temos aqui.