A busca por pai Jorginho de Ogum – Parte II

Os porcos e as plantações

Eram 11 horas da manhã. Estava em um posto de gasolina pronto para encher o tanque do Gurgel. O frentista veio perguntar se era álcool ou gasolina. Senti um calafrio ao reconhecer a voz, a mesma do bar no dia anterior. Era Alfredo Chagas. Como isso poderia ter acontecido? Era muito azar.

Ele logo perguntou o que estávamos fazendo ali. Tentei desconversar, perguntando “o que é que VOCÊ está fazendo aqui?”. Mas as táticas de intimidação não funcionam com Chagas. Além do mais ele disse que sabia que nós estávamos procurando pai Jorginho. Perguntei a ele, como ele sabia disso e ele me disse que Marcão o havia avisado por telefone. “Filha da puta” pensei.

Alfredo então disse que iria junto. Tentei argumentar o contrário e até fugir. Mas o carro não tinha gasolina. Em vão. Então, ele abasteceu o automóvel e me disse que queria dirigir. Falei que “nem fudendo”. Ele acabou por concordar. O Cão Leproso então foi no banco de trás.

A viagem foi longa, mais longa ainda pelo fato de que Alfredo Chagas estava ao meu lado. Como ele falava. O tempo todo. Qualquer mísero inseto que se esmagasse no pára-brisa, era responsável por um discurso, sem qualquer vestígio de concordância. Passei a viagem inteira pensando em uma maneira de conseguir me livrar dele.

A estrada é cheia de buracos. Se as pessoas se espantam com o número de acidentes noticiados nos jornais, elas deviam é se assustar pelo fato de que não aconteçam mais acidentes. É quase um milagre que não haja uma batida a cada curva. E vez por outra ainda temos que nos deparar com placas como “Cuidado, pista defeituosa”. Como se não fosse possível perceber isso.

E os acostamentos estão cobertos de bichos atropelados. Galinhas, cachorros, gatos, emas, macacos. As estradas são um grande cemitério animal. Alfredo Chagas chegou a propor a idéia de montar um restaurante que vendesse carne de bicho atropelado.

A paisagem é entediante. O Mato Grosso é uma grande plantação. Soja, milho, algodão e o que quer mais que a minha falta de conhecimentos agrícolas me impede de citar. E tanta plantação requer bilhares de caminhões para transportar a safra. Os caminhões dominam a estrada, como se surgissem por geração espontânea, do nada. Se amontoam nos postos de gasolina. Quase um filme de terror. Já o Mato Grosso do Sul é um grande pasto de gado. Com placas de bois gigantes na frente das fazendas. Pelo menos as estradas são bem melhores.

No domingo, na hora do almoço conseguimos chegar a São Gabriel do Oeste. Não chovia. A Wikipédia dizia que era uma cidade de hábitos gaúchos. Isso era muito preocupante. Fui para um hotel, porque precisava descansar um pouco. Já Alfredo Chagas disse que a luta não poderia ser interrompida e foi para uma praça pregar contra o neoliberalismo conservador.

Quando chegou a noite resolvi comer alguma coisa. E fui a um restaurante, que servia um frango frito bom. A mandioca também estava bem aprazível. Resolvi então abordar o garçom sobre o caso de Pai Jorginho, afinal, garçons sempre têm informações privilegiadas. Perguntei então se ele sabia algo sobre o cara que foi pra lá por conta dos toletes. Ele me disse para ir para frente da prefeitura, lá nós encontraríamos o que queríamos.

Chegando lá alguns garotos anunciavam a festa do porco no rolete. Maldito garçom surdo. Era tolete, e não rolete. Mas, visto que estava lá, não custava nada tentar. Perguntei se alguém ali já havia estado em Paranatinga. Um silêncio mortal se fez no lugar.

Foi aí então que um rapaz, com cara de gaúcho, usando uma camiseta pólo azul me disse que ele estava lá até mês passado. Perguntei então sobre Pai Jorginho de Ogum, e ele me disse que ele era o responsável por ter levado Jorginho para lá. Contou-me a sua versão.

“Esse cara cagou no canto do meu quarto”. Mas isso eu já sabia, oras. Perguntei o que ele havia feito com o pai-de-santo. Alfredo Chagas arrumou um megafone e começou um discurso contra o fim dos direitos humanos nas plantações de hortifrutigranjeiros. A polícia logo apareceu e ameaçou dar uma surra em Alfredo. Infelizmente isso não aconteceu. Chagas esperou os policias irem embora e disse “malditos porcos”. Por pouco ele não arrumou uma confusão com os organizadores da festa do porco no rolete.

Passada a confusão, o rapaz me disse que Jorginho de Ogum trabalhou cerca de duas semanas na fazenda de sua família, na área de reprodução. Cabia a Jorginho, a tarefa de masturbar os touros e pegar o esperma. Todos na praça fizeram cara de nojo. Menos o Cão Leproso.

No entanto, em menos de três dias ele já havia montado um prostíbulo barato no estábulo da fazenda. Com o dinheiro ganho, ele fugiu, cerca de dez dias antes de nossa passagem pela cidade. Perguntei se ele havia deixado alguma pista sobre o seu novo paradeiro. O rapaz me mostrou um bilhete de despedida, endereçado ao touro Damião, dizendo “Me desculpe-me por ter que te deixar sozinho sem companhia. Fui me encontrar com o borboleta em Paraty”.

A letra horrível e a maneira meio disléxica de escrever, não deixaram dúvida de que realmente era um bilhete do pai-de-santo. Então, ele havia fugido. Perguntei se não tentaram encontrar ele. Me responderam que não. O trabalho não compensaria.

Pensei “será uma longa viagem”. Olhei para meu lado e vi Alfredo Chagas armando uma passeata contra o cerceamento da liberdade de expressão. Sim, a viagem será muito longa. Pelo menos, Paraty devia ser um lugar legal.

Comentários

Gressana disse…
Haheaehahehaehae, a saga de Jorginho de Ogum devia ser publicada em um livro.
Mas é, se viajar pela estrada já é ruim sem ninguém, imagina com Alfredo Chagas.
Thiago Borges disse…
O que o maldito Alfredo quer nessa viagem?
Rogério Marques disse…
Mato Grosso é isso mesmo que vc descreveu:
Plantações, caminhões e um cemitério de animais mortos.