A era da motivação - ou, a grande fábula do sapo na árvore

Vivemos uma verdadeira era da motivação. As pessoas em geral sentem uma constante necessidade de serem motivadas e de motivar os outros a realizarem os seus objetivos, por mais difusos, incoerentes e improváveis que estes propósitos possam ser.

A melhor maneira de realizar essa tarefa, é claro, é pelo compartilhamento de imagens de baixa resolução nas redes sociais. Este ato é comparável ao bom e velho tapinha nas costas, aos dizeres “você consegue”, cantados no pé do ouvido. Não minta, todo dia em uma rede social você terá acesso a uma imagem bonita e pixelada, com alguns dizeres que pretendem ser inspiradores.

As frases podem ser provenientes de passagens bíblicas, frases manjadas de grandes pensadores que conseguiram alcançar seus objetivos (em alguns casos as frases são de pessoas semianônimas e completamente deslocadas da realidade, mas que acreditam que são exemplos que devem ser seguidos pela população, um misto de insolência com primeiros sintomas de demência mental¹), ou ainda em último caso, os melhores casos, pequenas fábulas de superação.

Todos nós conhecemos a história da formiga e da cigarra, aquela sobre a formiga que trabalhava enquanto a cigarra aproveitava a vida e quando chegaram momentos difíceis a formiga teve reservas graças ao seu trabalho, enquanto a cigarra não tinha nada (uma maneira de dizer que você deve se foder quando tudo estiver bem, para poder estar bem quando se foder). Eis então que eu apresento a vocês a história do SAPO NA ÁRVORE, uma história imperdível que surgiu em algum feed meu nos últimos dias. Leiam com atenção:

“Um sapo decidiu chegar no topo de uma árvore.
Ao saberem da decisão, os outros sapos ficaram lá embaixo gritando “é impossível, é impossível! Sapos não sobem em árvores!”.
Mesmo assim, o sapo continuou subindo até chegar no topo.
Mas como?
Simples: o sapo era surdo.
Ele pensava “todos lá embaixo estão me encorajando, eu preciso chegar no topo da árvore.
Se você quer alcançar seus sonhos, você precisa ser surdo para pensamentos negativos”.

Sei que você ainda está ocupando, limpando as lágrimas na barra da camisa, mas precisamos refletir um instante sobre esta psicodélica fábula antropomórfica de motivação, suas prováveis consequências e algumas interpretações divergentes.

Primeiro, precisamos ponderar que a história parte de um pressuposto completamente equivocado: sapos sobem em árvores sim. Uma simples busca no Google irá revelar centenas de fotos dos mais diversos sapos coaxando nas mais diversas árvores, com seus olhares desconfiados.

Portanto a grande façanha dessa história é outra: os sapos estavam falando. Caramba, em toda a história de estudo das ciências naturais, jamais nenhum biólogo ou qualquer pessoa que se dispôs a observar a natureza pode constatar um sapo falando. O que dirá uma porção de sapos céticos tentando desmotivar um colega com necessidades especiais.

A grande moral da história poderia ser então: enquanto você acha que alguém está realizando uma façanha, você é que pode ser o exemplo de superação. Pare de ficar olhando para os feitos dos outros e preste atenção no que você está fazendo, que pode ser ainda mais extraordinário.

Também precisamos pensar em outro fato: o sapo queria subir no topo da árvore, por quê? Ao chegar no alto do vegetal o que o sapo iria conseguir encontrar? Nada de especial. Muito pelo contrário, no topo da árvore haverá uma menor disponibilidade de insetos, que são a grande fonte de alimentação dos anfíbios em questão e, além disso, o sapo ficará muito mais vulnerável ao ataque de grandes pássaros e mesmo de cobras, seus principais predadores. Ao chegar no topo da árvore, o sapo não encontrou nada e muito provavelmente virou uma presa fácil. Foi atrás do seu sonho, que não fazia o menor sentido, e morreu.
Um belo dia para me alimentar de empreendedores

A grande conclusão então é: não adianta nada ir atrás dos seus sonhos quando os seus sonhos são completamente idiotas e descabidos de qualquer sentido. Pare para pensar antes se o seu sonho faz sentido e o que você vai conseguir quando conquistá-lo. Outro grande ensinamento é: se as pessoas estão te dizendo para não fazer alguma coisa, talvez seja melhor não fazer mesmo, elas podem ser mais experientes e de alguma forma já apreenderam que a tarefa que você se propôs a realizar não faz o menor sentido.

Outro grande mistério nessa confraria de sapos falantes é: como ninguém nunca descobriu que o sapinho era surdo? Que grupo de amigos é esse, com indivíduos incapazes de perceber que um de seus integrantes possui uma severa deficiência física e que, portanto, não criaram mecanismos eficientes para que o SCD pudesse ser realmente integrado. Oras, se todos soubessem que o sapo é surdo, ao invés de ficarem gritando feito um bando de idiotas, eles teriam dado uma maneira de impedir o cidadão de chegar lá no topo da árvore onde ele virou uma presa fácil para um gavião. Ah, mas o que os sapos fariam? Meu amigos, se esses sapos sabem falar, eles poderiam muito bem ter arremessado um dardo com tranquilizante no colega.

Ou seja, se você faz parte de um grupo de pessoas que não demonstram interesse em você, talvez seja o caso de você procurar por novas amizades. Se, depois de tanto tempo, ninguém jamais foi capaz de perceber que você tem uma necessidade especial, enfim, os seus amigos não se importam com você e jamais vão te ajudar da maneira que você realmente precisa.

Por fim, esta ode ao improvável também nos mostra que um pouco de confusão mental é importante. Tudo o que nós precisamos, de vez em quando, é acharmos que ofensas morais e desincentivos são maneiras de nos apoiar. Portanto, trabalhe melhor essa negatividade. Se alguém fala que você é um imprestável, imagine que isso é um elogio. Um tapa na cara, por vezes, pode ser apenas um jeito diferente de falar “eu te amo” sem jamais precisar pedir perdão.

E por fim, não se esqueça: se você acha que não vai dar certo, que não vai ser capaz, se as pessoas te dizem isso, é porque há uma grande chance de que realmente não dê certo. O pessimismo, por vezes, pode ser seu instinto de sobrevivência falando mais alto.


¹ Op. Cit: instagram umpsicologoemcuiaba.

Comentários

PsicoBlogaria disse…
Sensacional a interpretação e as conclusões! Parabéns!