O Case Oreo

O Negresco sempre foi um dos biscoitos¹ mais tradicionais do Brasil. Lançado em 1987, consiste em duas cascas negras que envolvem um recheio branco, o que provoca um visual estético diferente, como se fosse o negativo de um biscoito tradicional. Existem biscoitos com as partes duras escuras, mas nenhuma jamais será tão escura quanto a do Negresco. E nunca soube de outro recheio para essas massas assadas de farinha e açúcar que fosse branca.

Junto com tantos outros biscoitos brasileiro, o Negresco adoçou a tarde da juventude brasileira, deixando todos nós com aquele gosto de gordura hidrogenada na boca, amortizados diante de mais uma exibição de “Enchente, quem salvará nossos filhos” na Sessão da Tarde. Enfim, o sucesso do Negresco sempre esteve no seu componente visual. Ele era o quadro mais belo da prateleira biscoital, passava a imagem de ser diferente dos outros, uma alternativa ao tradicional biscoito de chocolate, de morango ou mesmo de doce de leite. Diria que era um biscoito que quebrava paradigmas, um iconoclasta feito para pessoas que pensavam diferente e achavam que poderiam ir além do trivial.

O que não podemos negar é que o Negresco tinha uma posição estabelecida no mercado brasileiro e não havia motivos para que alguém quisesse concorrer nesse mercado. Seria tal qual querer concorrer com o Bombril, por mais que a Assolan tenha tentado provocar uma guerra civil no mercado de bombris², que incluíram propaganda ostensiva e invasiva no Domingão do Faustão, que muito provavelmente colocou suas bailarinas nipônicas para fazer merchandising. Não sei qual fatia do mercado eles conquistaram com essa estratégia agressiva, mas é possível que hoje muitas pessoas comprem Bombril da Assolan.

Mas, eis que surge o Oreo. Que é justamente um biscoito de recheio branco envolto em duas cascas negras, com um visual que provoca um efeito estético diferente, como se fosse o negativo de um biscoito tradicional. Poderíamos visualizar uma árdua e talvez infrutífera batalha por esse mercado excêntricos de biscoitos, mas o fato é que hoje, tantos anos, depois o Oreo suplantou completamente o Negresco. Quando o cidadão brasileiro médio pensa em um biscoito de cascas negras que envolvem um recheio branco, ele invariavelmente pensa no Oreo. Pode pensar no Negresco, mas também pensa no Oreo.

A grande questão é: o que eles fizeram para conseguir esta verdadeira hecatombe mercadológica, subjugando um nome consolidado no mercado para se impor como marca dominante dentro de um segmento muito específico de alimento que provoca hipertensão, colesterol e morte lenta e dolorosa?

Antes de mais nada, nós precisamos saber que o Oreo é ainda mais antigo do que o Negresco. Surgiu na América³ em 1912. Foi lançado pela primeira vez no Brasil em 1995, mas se tornou um enorme fracasso comercial, sendo retirado das prateleiras poucos anos depois. Eles retornaram com tudo em 2013 e desde então rumaram ao topo. Uma última informação: o Negresco é da Nestlé, enquanto o Oreo é da Mondelez.

Se bem explorada, pode gerar uma vantagem comercial a informação de que na verdade o Oreo é o Negresco original e este é, pois bem, uma cópia do Oreo, um plágio brasileiro de um sucesso internacional, uma versão de Angélica para uma música dos Carpenters. E porque você vai provar a cópia, sendo que pode consumir o original, pelo MESMO PREÇO. Esse argumento é irresistível, não é mesmo? Tão irresistível quanto aquelas duas cascas negras que envolvem um recheio branco com sabor de gordura hidrogenada é que reproduzem o aspecto de negativo de um biscoito normal.

Creio, no entanto, todavia, que o grande sucesso do Oreo se deve a sua associação com a gourmetização. Sabe-se lá se por sorte, coincidência ou puro talento e tino comercial, os responsáveis por divulgar a segunda vinda da marca ao Brasil souberam associar o nome Oreo a esse processo de gourmetização interminável que abate a sociedade brasileira diariamente.

Se você for ao Paris 6, que é uma espécie de Meca do mundo Gourmet, e olhar o seu interminável cardápio de sobremesas, encontrará um Grand Gateau – que consiste no Santo Graal da sobremesa gourmet – à Diego Hypolito. Por mais que eu duvide que o nobre ginasta brasileiro consuma esta bomba calórica – ou talvez tenha sido justamente o seu consumo que tenha feito com que ele caísse no chão em duas finais olímpicas – a nobre sobremesa tem OREO em sua fórmula (recheio crocante de chocolate derretido com OREO, com cobertura de bolachas OREO ao leite condensado sobre ganache de chocolate meio amargo. Não sei vocês, mas eu fiquei com diabetes só de ler). Sim, poderia ser Negresco, mas o Paris 6 escolheu Oreo.

O gorduroso cardápio que exibe uma foto de Fabiana Karla lambuzada em chocolate ainda conta com uma mistura de cheesecake e grande gateu à Nah Cardoso, que deus saiba quem é, mas sua sobremesa tem cheesecake de OREO (?!?!?!?!?!!?!?!) ganache de Nutella (outra rainha da gourmetização, mas explicável pelo fato de que ela dominou um mercado inexistente) e cobertura de OREO. Para finalizar, um toque de leite condensado. Puta que o pariu, já estou quase desistindo de falar do Oreo para falar sobre como as sobremesas do Paris 6 vão te matar. Há ainda outra dessas sobremesas, com cheesecake de Oreo, ganache de chocolate branco com Oreo, que se chama Hannah Stocking, muito prazer.

Existe um Bis de Oreo. Existe sorvete de Oreo. A internet possuí 1.320.000 resultados para sobremesa de Oreo e apenas 136.000 para sobremesa de Negresco. Se o assunto for pavê, a diferença é de 929.000 para 56.300.

O Negresco, outrora soberano, perdeu seu status. Sim, o Oreo é o maior case de sucesso de uma marca na história do mercado brasileiro. Sua trajetória deveria ser estudada em todas as faculdades de publicidade, administração e mesmo em medicina.

¹Aqui é biscoito porra, chupem seus paulistas filhos da puta que querem normalizar sua cultura sobre o restante da população.
²Nome popular para esponja de aço.
³Graças a influência do excelentíssimo João Dória, procurei uma forma de utilizar o termo “América” para me referir aos Estados Unidos – que são da América, porventura.

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