A longa trajetória do petit-gâteau

Eu já estava na faculdade quando pela primeira vez eu ouvi falar sobre o petit-gâteau. Talvez seja um exagero por minha parte, é provável que eu já tivesse comido um bolinho cremoso à sombra do desconhecimento em outra oportunidade da minha vida, mas esta memória é uma maneira de demonstrar como existiu uma época em que nós vivíamos em total ignorância em relação a esse bolo mole, um tempo em que ele não havia dominado o mundo.

Nestes tempos, lá pelo ano de 2006, amigos do MSN e do Orkut anunciavam o 1º Festival Cuiabano de Petit-Gâteau, que imagino que tenha sido um sucesso. Pessoas discutiam receitas caseiras para essa iguaria, afirmando que seria possível prepará-lo em sua própria cozinha. Enfim, acho que ninguém imaginava que isso iria ocorrer, mas Cuiabá estava prestes a ser invadida pelo Petit-Gâteau. Pouco mais de dez anos depois, este pequeno bolinho se transformou na sobremesa de todo e qualquer restaurante existente. Não importa o que você comeu antes: a sobremesa certamente será um petit-gâteau.

Ao contrário do que o nome possa sugerir não é certo e líquido que o petit-gâteau (pequeno bolo em francês) tenha surgido na França, apesar de esta ser uma das correntes históricas. Há quem defenda que ele nasceu na Itália e quem diga que veio dos Estados Unidos. Na França mesmo, ele não é conhecido como bolinho, mas sim como Fondant au Chocolat. Se você pedir um petit-gâteau na França, é provável que receba um cupcake.

O fato é que o bolinho certamente surgiu de um grave erro culinário, de alguém que não soube fazer o bolo direito. Esta aberração gastronômica chegou ao Brasil em 1994 pelas mãos de Erick Jacquim, sim o gordinho chato do Master Chef. Foi o começo da epidemia.

Se você for num desses restaurantes que servem pratos feitos – seja um Giraffa’s da vida ou um mais chique que se defina como culinária contemporânea – haverá um petit-gâteau de sobremesa. Se você for a um restaurante italiano e saborear um chochiglione ao pesto acompanhado de um belo vinho Sangiovese safra 2007, a sobremesa dificilmente será um tiramisù ou uma palha italiana – conhecida na Itália apenas como La Paglia – mas sim um petit-gâteau com sorvete de creme e todo aquele recheio cremoso escorrendo pelo seu prato.

Mesmo se você for no restaurante japonês e passar horas se alimentando de comida mal cozida e mal temperada, a sobremesa será um petit-gâteau industrializado. Será a mesma coisa em uma churrascaria, no restaurante italiano que te fez espirrar curry, no restaurante alemão e mesmo no restaurante de comida mineira. Sim o pudim de leite foi deixado de leite diante da dinastia do petit-gâteau.

O sucesso fez com que surgisse uma versão exagerada da sobremesa, que é o grand-gâteau. Inventado, ou talvez apenas popularizado pela rede de restaurantes Paris 6, se trata exatamente disso: um enorme petit-gâteau, que ao invés de ser acompanhado por uma bola de sorvete de creme é servido junto com um picolé enfiado.

O cardápio de grand-gâteau do bistrô é uma leitura mais complicada do que a bíblia. Cada opção ganha o nome de uma celebridade ou de uma pessoa que por alguma razão é tratada como celebridade (Larissa Manoela) – o que provoca uma estranha sensação de pedir um Thiago Abravanel para o garçom. Os acompanhamentos do bolo se perdem em uma enorme combinação aleatória de nutella, leite ninho, biscoito oreo (assunto para um futuro post) e, enfim, no fim todos tem o mesmo gosto de açúcar e gordura. (O cardápio é outra atação da casa, com fotos de alguns dos artistas da casa lambuzados de maneira quase erótica em chocolate).
O cardápio do Paris 6 poderia ser assunto de um livro inteiro

O futuro eu não sei, ainda não vivi o suficiente para saber como foi o histórico de outras sobremesas em tempos remotos, se nos anos 80 existiu uma febre da gelatina colorida, por exemplo, que foi aos poucos desaparecendo. E é isso ai, realmente não sei, só resta esperar.

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