Master Kids

Depois do sucesso mundial do MasterChef, aquele programa que utilizava a culinária como uma desculpa para exibir a humilhação pública dos participantes diante de um júri especializado, a Rede Bandeirantes resolveu ampliar a fórmula. Estreou na semana passada uma versão diferente do MasterChef, que conta com a participação apenas de crianças.

O programa é de um horror inominável e não é a toa que já despertou a atenção de pedófilos. Há muita coisa errada em um programa que coloca crianças para fazer pratos sofisticados na televisão.

O primeiro é o fato de essas crianças cozinharem pratos sofisticados. Uma criança de 10 anos ainda deveria ter dificuldades para passar manteiga em um pão e o mais próximo de um prato elaborado que ela faria seria com sua imaginação naquele conjunto de panelinhas de plástico. Veja que ninguém se torna um cozinheiro muito bom se não tentar durante alguns anos. Logo, para fazer esses pratos requintados ao vivo, essas crianças estão na estrada há algum tempo. Desde que nasceram, praticamente. Seus pais deveriam perder suas guardas.
MasterChef Júnior

Esses pais com certeza serão um dos fatores mais terríveis do programa. Uma vez, que nenhum pai dos tempos atuais consegue ver seu filho competindo sem ficar mais empolgado que a prole. Competições infantis de futebol invariavelmente contam com a presença de pais ensandecidos na arquibancada gritando para que seus filhos corram e conquistem a vitória com a morte alheia. Competições de luta são ainda mais tensas, com pais gritando para que as crianças de oito anos espanquem os adversários, que chutem suas cabeças, suas pernas, que matem se for preciso.

Não há de ser diferente em um programa de culinária. Imagino um pai de bochechas fartas e vermelhas se esgoelando para que o filho desosse um frango corretamente. Para não deixar o suflê passar do ponto. Para que utilize corretamente o manjericão, o alho poró ou um desses outros alimentos que nos conquistam pelo nome, antes que pelo sabor.

Há o fator perigo relacionado a essas crianças na cozinha. Entre todas as partes de uma casa, a cozinha sem dúvida é a que mais tem objetos capazes de matar uma pessoa. Temos as óbvias facas, mas algumas espátulas e mesmo os simpáticos garfos podem ser cortantes. Panelas podem matar, além de todos os eletrodomésticos possíveis. É um risco danado colocar um monte de crianças participando disso.

Qualquer hora uma vai acabar cortando um dedo fora no liquidificador, se trancando dentro do fogão ligado, vazando o próprio olho ou perfurando o abdômen enquanto tentava fazer um corte exótico de salmão, ou derrubando água fervendo nos seus membros inferiores. Isso pode acontecer a qualquer momento.

Por fim, há a questão da fórmula do programa. Já foi amplamente debatido por aqui que a graça do programa não está necessariamente na elaboração dos pratos e sim na humilhação que os chefs proporcionam aos participantes. Aquele negócio de cuspir no prato, falar que o cara é um anormal que acha que sabe cozinhas e outras coisas mais pesadas.

Aquele gordinho francês babaca vai fazer isso com uma criança de onze anos? Vai mandar um “você fez essa comida para suas bonequinhas, princesa?" diante de um risoto ruim? Vai dizer para uma porra de uma criança de nove anos que ela nunca vai ser uma cozinheira, sendo que esse é o sonho dela? Aposto que não, porque só é permitido humilhar adultos mesmo. O que eles dirão para essas crianças? “Olha, quem sabe da próxima vez lindinha”. Como será eliminar essas crianças? Como será para o público lidar com a decepção de uma criança, ainda despreparada para viver com esses sentimentos?

Não há sentido em juntar todos esses aspectos em um programa de TV.

Comentários

Unknown disse…
Só citaria mais dois pontos: o sério problema da exposição pública destas crianças e o quanto é estranho pensar no tipo de público para um programa destes, que é um programa com crianças, que começa passa bem tarde na noite. No mínimo estranho.