Segmentos Televisivos: Culinária

Programas culinários são uma verdadeira febre televisiva. Onde quer que você bata o olho, haverá um canal de televisão com um programa de culinária para você apreciar. Seja do cara que tem mestrado em culinária, o que faz receitas quânticas em um termodinamizador, seja o inglês com língua presa que faz uns pratos inúteis, aqueles vários franceses radicados no Brasil, seja a Carolina Ferraz. Sim, até a Carolina Ferraz tem um programa de culinária.
Vovó Palmirinha: ensinando receitas desde 1610.

Esse post tentará fazer uma análise sobre esse segmento televisivo.

Culinária Prática
Os programas de culinária prática estão sedimentados nas raízes da cultura brasileira. Acredito que a vovó Palmirinha seja a precursora desse tipo de programa, que tem o claro objetivo de ensinar as pessoas a cozinhar um prato diferente para o dia-a-dia, tarefa que parece plenamente alcançável na voz doce e suave de Palmirinha. Ana Maria Braga é discípula direta dela.

O inglês Jamie Oliver também. A intenção do programa é mostrar que qualquer um pode fazer qualquer prato em qualquer situação e ainda ser cool. Ele manuseia os alimentos com gestos rápidos, para dar a impressão de praticidade e no final o prato parece um grande amontoado de comida. No entanto, os cozinheiros da televisão acabam por virar celebridades, dando origem a outro tipo de programa.

Culinária Celebridade
Sem dúvida, a mais popular de todas. Jamie Oliver, com sua língua presa e seu sotaque britânico carregado é um grande exemplo. Mais do que suas receitas, as pessoas são atraídas por sua fala magnética e assistem ao programa para verem sua cara. Ninguém quer saber das suas receitas de rim com rúcula. Assim como aqueles dois franceses que vivem no Brasil. Ninguém quer ver as receitas que o Olivier Anquier descobre viajando pelo interior do país. Querem apenas vê-lo. Talvez preferissem um autógrafo do que uma receita.

E o que dizer do marido da Fernanda Lima e suas receitas que ele aprendeu com a avó? E a Carolina Ferraz ensinando a fazer salada. Ninguém está realmente interessado em seus pratos, apenas em seus corpos.

Culinária Voyeur
Muitos dos programas de celebridades acabam por ser programas de culinária voyeur. Aliás, algo interessante a se dizer é que muitos dos gêneros aqui citados se misturam em vários momentos.

Nesse tipo de programa, existe um fetiche pelos apresentadores, mas principalmente pelos seus pratos – maravilhosos, muito bem dispostos, com talheres requintados e aparência impecável. Você fica ali, babando diante daquele risoto, daquela carne, daquela torta, do bolo de seis andares e muito glacê, sonhando com esse gosto em sua boca. Mas é apenas um sonho. Você nunca vai conseguir fazer aquilo.

Culinária Impossível
Geralmente, toda culinária voyeur é impossível. Mas, nem toda culinária impossível é voyeur e por um único motivo: Felipe Bronze, o mago da cozinha. Dono de um restaurante fodalhão num dos bairros mais fodidos do Rio de Janeiro, Bronze é o responsável por introduzir conceitos quânticos nos mais diversos pratos. Sua preparação é impossível, porque muitas vezes envolve cozimentos na gravidade zero, navalhas ultra afiadas, maçaricos, aparelhos que parecem surgidos na história do Professor Pardal e osmose.

E por que a culinária dele não é voyeur? Porque várias vezes os pratos ficam horríveis, semelhantes ao vômito de um cachorro. Ou então, aquela cena do lendário filme do Peter Pan, em que o saudoso Robin Williams consegue materializar a comida invisível e ela consiste em bolas coloridas.

Culinária Saudável
Confesso que atravessei todo esse mar de lodo, apenas para chegar aqui, na culinária saudável. Porque poucas outras coisas fascinam tanto o ser humano quando a culinária saudável e pouca coisa no mundo pode ser mais inútil. As pessoas ficam vendo aquelas saladas coloridas, aqueles pratos orgânicos e integrais e imaginando que aquilo é bom, sendo que não é.

O exemplo máximo é a Bela Gil, filha do Gilberto Gil (Gilberto tem um gosto exótico para nomear suas filhas).

Em seu programa, Bela Cozinha, ela mergulha no pântano da cozinha macrobiótica, seja lá o que isso significa. Uma culinária saudável ao extremo. Tão saudável, que pode até matar. Ela recebe convidados que, coitados, experimentam seus pratos e precisam segurar para não vomitar em frente das câmeras.

Ok, é bonito, ensinar uma cozinha que vai fazer as pessoas viverem 100 anos, sem gordura, sem hormônios, sem teflon. Mas isso é fácil para a Bela Gil.

Ela mora em uma casa no campo, em que ela acorda com o barulho das cachoeiras, dos galhos de cerejeiras balançando e das asas do beija flor batendo. Ela passa a manhã andando por trilhas floridas, colhendo hortaliças em meio a borboletas coloridas e conversando com esquilos. Em determinado momento, passarinhos pousam em seu ombro, uma luz emana de seus olhos e um pônei cor-de-rosa surge no horizonte.

Ela passa horas batendo couve no liquidificador, cozinhando arroz cateto, centrifugando e moendo os alimentos mais saudáveis do mundo para servir aos seus convidados. Assim, é fácil.

Eu queria era ver a cozinha saudável do cara que mora na periferia e tem que pegar oito ônibus por dia. Que na hora do almoço só tem tempo de mandar qualquer coisa mergulhada em gordura para dentro do estomago. Que tem o fim de semana para resolver sua vida e almoça aquilo que é possível (geralmente, à quilo que é possível). Quero ver qualquer pessoa que trabalha oito horas por dia executando esses pratos. Quem ganha um salário mínimo pesquisando lojas especializadas para comprar os ingredientes caros que ela utiliza. Ai é que eu quero ver a cozinha saudável e Bela.

Fim.

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