O Drama da Generalidade

O mundo é composto por uma série de pessoas com conhecimentos específicos. Delimitamos áreas de conhecimento para estudarmos e dentro dessas áreas existem outras especialidades, que se dividem em outros e em outros, até o fim dos tempos. Temos o especialista em crustáceos, o especialista em testículos bovinos, na música produzida em Viena na segunda metade do século 17 e por aí vai.

É uma grande felicidade quando a pessoa consegue se especializar e dominar um assunto que ela gosta, mas nem sempre isso é possível. O mundo não vê muita utilidade em alguém que sabe tudo sobre centromédios do Bangu na década de 40 ou um especialista em discos de rock psicodélico lançados na Inglaterra em 1967 e 1968. Ou em um especialista em juntar palavras desconexas tentando criar um sentido para elas, como é o meu caso.

Trabalho de um não especialista
Acredito que boa parte das pessoas nasça, cresça, se reproduza e morra sem descobrir seu talento nato e específico. Mesmo assim, é provável que essas pessoas se dediquem a alguma especificidade durante toda a sua vida e que sofra ou não dê a mínima para essa questão. É confortável viver dentro da sua pequena bolha de conhecimento.

O problema é quando precisamos romper essa bolha e explorar um novo mundo. Não é uma questão de abraçar o mundo e tentar palpitar em tudo o que existe. O problema é quando nos deparamos com coisas simples, que todos nós deveríamos saber fazer, mas que não temos a menor ideia sobre como proceder.

Cito um exemplo besta: abrir uma garrafa de vinho. Pode não parecer, mas retirar a rolha daquele gargalo é uma tarefa complexa, digna de especialistas, apesar de sua simplicidade. Na teoria, basta encaixar o saca-rolha na referida, rodar, e puxar que pronto: o vinho poderá ser servido. Mas, na prática não é isso que acontece. A rolha não irá sair, você tentará agir com naturalidade, dará as mais diversas justificativas, culpará o saca-rolha, dirá que fez o encaixe errado, que esse vinho está duro. Destruíra a rolha enquanto tenta segurar as lágrimas de vergonha pela sua incapacidade.

No caso dos homens isso é um problema. Não quero aqui vitimizar o gênero, abrir espaço para uma discussão sobre o papel social cruel que também é imposto às mulheres, mas geralmente se espera que o homem seja um grande faz tudo braçal doméstico. Trocar lâmpadas, chuveiros, desentupir pias, abrir vidros de palmito. Qualquer homem deveria saber fazer isso, mas infelizmente não nos ensinaram na escola, nem na escola da vida. Só resta arrumar desculpas, tentar passar o tempo esperando que a situação se resolva sozinha, igual quando o carro pifa e abrimos a tampa do motor apenas para olhar toda aquela geringonça e fingir que estamos testando alguma coisa.

Esses dias eu estava no shopping e enquanto esperava o meu almoço olhei para o Bob's da praça de alimentação. Um atendente tentava trocar um daqueles painéis com as fotos dos sanduíches, que devem ter passado por algum reajuste de preço. Sim, aqueles painéis não surgiram lá por geração espontânea, alguém precisou afixá-los. Só que quando é preciso mudá-lo, não há dentro da empresa um gerente júnior de troca de painéis com fotos do sanduíche. Um cidadão normal é que precisa fazer o trabalho.

Esses painéis consistem numa moldura com lâmpadas florescentes dentro. O painel nada mais é do que uma fotografia protegida por um pedaço de acrílico. Essa junção de foto e acrílico precisa ser precisamente encaixada na moldura. Parece simples, mas não é nem um pouco. O funcionário ficou o tempo inteiro tentando realizar a troca, o papel caía no chão, depois o acrílico, um lado encaixava e o outro não. Ele tentava manter a calma dos especialistas, como se fosse um, mas era nítido que ele não suportaria olhar nos olhos de ninguém e mostrar que era incapaz de fazer aquilo.

Mas nem precisava disso. Ninguém ali seria capaz.

Comentários

Mas abrir vidro de palmito é uma obrigação moral de todo macho.
Não precisa ensinar na escola. Se você é homem, já nasce sabendo fazer isso.