Carnavalesco Sincero

Se há alguma coisa que o desfile das escolas de samba é, ele é uma enorme embromação. Durante oito horas seguidas, que invadem a madrugada, diversos grêmios recreativos passam pela Sapucaí sambando enredos surreais, que só uma pessoa desconectada da realidade conseguiria perceber um sentido.
A águia da Portela é a mesma há 47 anos. Mas, todo ano dizem que ela está mais moderna e tecnológica.

Sério, acho que já falei sobre isso, mas todo ano eu fico revoltado. Escola após escola nós vemos sambas com rimas que fariam minha professora de quinta série reprovar um aluno, conexões variadas que sempre remetem a Grécia, Egito, Escravos, Interior do Brasil, Nordeste, Orixás, auto referências e merchan livre e indiscriminado. Não dá para ver sentido nisso.

Só há uma pessoa que consegue concatenar toda essa suruba de significados: o carnavalesco. Afinal, ele é que é o criador, o mantenedor, o responsável por juntar todas essas informações e vesti-las de um significado uniforme. Toda aquela confusão de cores, plumas e penas surgiu da cabeça do carnavalesco. Então, por mais que nem ele consiga entender o que ele criou, pelo menos ele tem que fingir que entende.

Acredito que nem ele entenda. Mas, no carnaval, assim como na vida, não há espaço para a sinceridade. O carnavalesco sincero morreria de fome, porque ele não conseguiria justificar todo o investimento realizado para montar aquela porcaria.

Esse ano, essa fantasia representa a
gourmetização que atinge a culinária
tradicional. Ano passado ela represen-
tava a ostentação que os escravos ja-
mais conseguiram alcançar
O Salgueiro passando com seu enredo sobre a culinária mineira e lá está uma ala cheia de pessoas com plumas negras sambando. A ala se chama “Explosão de Sabor” e a explicação é de que ela representa as sensações paladares proporcionadas pela culinária mineira. Bem, você olha lá e segue vendo pessoas com plumas negras dançando. Qual é a relação entre o feijão tropeiro e pessoas com plumas negras dançando?

Nenhuma, é claro. Mas pense, o desfile tem oito carros alegóricos, noventa alas, quatro mil integrantes, centenas de fantasias e como é que você vai bolar 180 fantasias relacionadas a comida mineira? É impossível. Então, o que importa é enrolar e tentar fazer com que as pessoas acreditem que tudo isso faz sentido. Que há um enorme fio cósmico que amarra o sentido de tudo.

O carnavalesco sincero, perguntado sobre aquela ala, diria que são apenas centenas de pessoas com plumas negras dançando. Que ele achou que ficaria bonito colocar uma ala cheia de pessoas com plumas negras para dar uma quebra no colorido geral e para justificar isso, resolveu dizer que elas representavam o feijão.

E essa fantasia aqui? “Na verdade é igual a do ano passado. Só que ano passado nos a usamos no contexto de Cleópatra na Senzala, e esse ano está como Estrela Guia da Sapucaí”. Aquele carro alegórico com folhagens? “Nós já usamos há cinco anos, assim como aquela passista nua representando a deusa vênus. Ninguém percebe, mas 80% das fantasias são absolutamente iguais as que nós usamos no ano passado, a crise financeira está pegando”.

Com sua sinceridade, o carnavalesco revelaria toda essa farsa e o negócio iria ruir. Acabaria com o sistema. Se fosse nos tempos dos bicheiros, provavelmente ele seria morto. Hoje em dia, com sorte, ele ficaria apenas desempregado. Tudo isso porque o sistema é foda parceiro. Ainda vai morrer muita gente.

Comentários

Gressana disse…
Eu tava apostando num desfile com o tema "Impeachment".