A Gourmetização não pode parar

Quando eu era criança, vez por outra meus pais me levavam até uma lanchonete chamada Komilão, aqui em Cuiabá. A lanchonete consistia em um trailer, provavelmente uma Kombi surrada, que teve seu espaço traseiro transformado, com a instalação de uma chapa, recipientes para carnes, saladas e outros complementos. O veículo ficava estacionado em uma esquina abandonada e o chapeiro ficava lá, de boa, fritando seus hambúrgueres vendidos a preços módicos.

Assim como o Komilão, existiam diversas outras Kombis sanduicheiras espalhadas pela cidade. Cada família devia ter a de sua preferência. O sanduíche era saboroso e com um preço acessível. Em Cuiabá era famoso o x-bagunça, lanche que continha tudo o que a imaginação humana pudesse imaginar, ou que a Kombi pudesse transportar. Mais tarde, o x-bagunça ganhou sua versão compacta, conhecida como Baguncinha, que nos áureos tempos custava a bagatela de um real. Hoje a inflação chegou, mas eles ainda podem ser encontrados por simpáticos seis reais.

Hoje os tempos são outros. A vigilância sanitária é mais severa com esses lanches de rua e acredito que o pai que leva um filho de menos de seis anos para comer um sanduíche e tomar coca-cola corre o risco de ser apedrejado por pediatras em fúrias. Hoje, uma ala repugnante da sociedade tenta criar um movimento chamado “food truck”. Aliás, tenta não. Já conseguiu. Pessoas que pareciam até ser respeitáveis se mostram encantadas com festivais de “food truck”. Gourmetizaram uma velha tradição brasileira: os lanches de rua.

Em suma, um food truck é a mesma coisa que aquela Kombi de antigamente, mas com algumas diferenças. Enquanto que a Kombi era um automóvel antigo, sobrevivente das ruas e improvisado em lanchonete, os trucks são fabricados especialmente para isso e contam com uma cozinha industrial, custam uma fortuna. Enquanto o chapeiro da Kombi era um sujeito rústico que utilizava a gordura da própria pele para fritar o hambúrguer, o cozinheiro da FT é um mestre cuca com chapéu ridículo e avental impecável. Enquanto o lanche do Komilão custava cinco reais, o Coney’s Burguer vai custar 30. E o lanche da Kombi ainda era mais gostoso.

As Food Trucks popularizam toda e qualquer comida gourmet idiota. Cachorro quente com salsicha de vitela, pão de mandioca e molho de tomate pelado. Coisas com muito bacon, queijo briê e termos que sugiram que seu preparo foi extremamente sofisticado. Termos bestas que não significam nada de especial como “comfort food”, além de inventar significados novos para coisas batidas. Capirinha com picolé e esse picolé se chama “sorbet” só para que você pense que aquilo é uma maravilha.

Outro caso é o das paletas mexicanas. Elas invadiram o mercado e praticamente acabaram com todo e qualquer tipo de picolé que existia até então. Todo dia, inúmeras paleterias são inauguradas no Brasil. A paleta, para quem não sabe, é um picolé com creme dentro. Há vinte anos atrás existia um picolé chamada Frutilly, que tinha creme dentro, um palito excêntrico e com certeza não custaria mais do que cinco reais. As paletas custam 12.

Pode ser que as paletas mexicanas sejam gostosas e que mesmo os Food Trucks vendam comida boa. Mas eu jamais irei a um deles. É uma questão de princípios. Nessa luta injusta contra esse mercado que quer vender o gosto das palavras, nós temos que lutar com as armas que nós temos. Isso precisa parar.

Comentários

Gressana disse…
Mais uma vez boa parte disso é culpa dos publicitários, que adoram "vender conceito" ao invés de vender a porra do produto.