Música de barzinho

Existem alguns fenômenos brasileiros que permanecem inexplicáveis até hoje. Gente que ninguém entende como é que começou a fazer sucesso e muito menos como é que continua se mantendo por aí até hoje nas grandes rodas dos acontecimentos. Gente como Eike Baptista, como Roger Flores, Adriana Galisteu e Emmerson Nogueira.

Emmerson Nogueira é um fenômeno intrigante. Ele é a personificação exata do cantor de barzinho, com um repertório de música de barzinho, que ganha dinheiro vendendo CDs e se apresentando por aí. Veja bem, a maioria das pessoas se sente profundamente infeliz e se recusa veementemente a pagar o couvert artístico de cinco reais num bar, mas paga 50 reais para ir num show dele. Pior ainda, paga vinte reais para comprar um CD, sendo que talvez pagasse o mesmo valor para não escutar o mesmo repertório numa praça de alimentação de shopping. Difícil entender.

Bem, a venda de CDs ainda tem uma explicação. Emmerson e seus curiosos dois emmes estreou no mercado fonográfico em 2001. Vocês se lembram como era o mundo em 2001? Banda larga era item de ficção cientifica, que só começou a se popularizar na casa da família brasileira lá por 2004, 2005. Mesmo assim, era uma época em que você comemorava quando fazia downloads a 15 k por segundo, demorava cinco minutos para baixar uma simples música, o que dirá um álbum?

Se você quisesse montar um repertório para tocar numa festinha, uma música agradável de fundo para recepcionar uns amigos, teria que perder horas se arriscando pelo limbo infinito do Kazaa. Era mais fácil pagar 20 lulas no CD do Emmerson e fazer a festa. E é provável que MM seja o pica das galáxias entre os músicos de barzinho.

(Um breve parêntese. Se formos pensar, a função de um álbum é justamente levar a experiência sonora para dentro da sua casa. Pense em uma das suas músicas favoritas, não falo aqui daquele engodo comercial do verão passado, mas numa música que você tenha escutado com frequência ao longo de pelo menos cinco anos. Pense em quantas vezes você a escutou. Muitas, não é mesmo? Agora, imagine que um fã da 9ª Sinfonia de Beethoven no século XIX, só pode escutá-la uma, duas vezes na vida, ao máximo, em alguma exibição ao vivo. A internet subverteu completamente a existência do CD, mas não deixa de ser um mérito do Emmerson gravar essas composições aleatórias cheias de Supertramp. Você podia levar a experiência da música de bar para dentro de casa).

Genericamente, podemos dizer que temos dois tipos de músicos de barzinho. Existem aqueles que tocam toda e qualquer música no ritmo do samba Burguesinha do Seu Jorge, fortemente inspirados pelos terroristas do Sambô. Não importa se é Bob Dylan, Bob Marley, Bob Sinclair, Led Zeppelin ou Caetano. E existem aqueles, maioria absoluta, que calcam seu repertório no pop/rock/MPB de rádio easy.

Se o cantor se baseia num repertório internacional, é certeza que ele vai tocar It’s a Heartache da Bonnie Tyler. Uma coisa ali do Pink Floyd, Every Breath You Take, algo soft dos Beatles, Eagles, Peter Fuckin’ Frampton, Simon & Garfunkel, More Than Words e muita coisa que você escuta na rádio easy, mas que não tem a menor ideia de quem é que canta.

No entanto, se o repertório for nacional, é bem provável que o artista estabeleça Djavan como seu ponto de partida. O cantor alagoano é uma espécie de Deus para os músicos de barzinho (assim sendo, Emmerson Nogueira seria Shaka de Virgem, o homem mais próximo de Deus). Suas músicas acústicas com versos exóticos passam aquele ar de bom gosto, enquanto que suas interpretações tranquilas não exigem estripulias vocais. Até hoje, não se inventou alguém que seja capaz de substituir Djavan.
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O ex-Kid Abelha Leoni até que tentou, mas sua única música relevante foi Garotos, além do que, sua bundamolice é depressiva demais para pessoas que querem tomar uns chopes. Renato Russo também é depressivo demais, Cássia Eller faz sucesso, mas ela própria já era muito mais intérprete do que compositora. Marisa Monte é cabeça demais. Cazuza morreu cedo demais, era subversivo demais. Lulu Santos talvez seja o número dois dos cantores de bar, mas suas músicas são um pouco mais elaboradas, precisam ser despidas para fazer sucesso no modo voz e violão.

Um que quase chegou lá foi o Zeca Baleiro. Ele próprio já é uma espécie de cantor de barzinho que foi além, mas seu sotaque carregado dá aquele charme regionalista que atraí segmentos mais intelectuais, tipo um Zé Ramalho.

Se há um nome que pode substituir Djavan nos bares em um futuro próximo, este é Nando Reis. O bardo ruivo é o típico cantor que agrada segmentos de vários estratos sociais, das classes mais baixas às mais altas. Nando faz sucesso entre fãs de forró, e MPB das antigas e de indie rock. Suas letras são simples, mas com inteligência suficiente para denotar bom gosto. Sua interpretação também não é extremista, para felicidade das gargantas dos intérpretes anônimos desse Brasil a fora.

Digo que daqui a alguns anos suas canções vão dominar o setlist pop/rock/MPB dos bares. Quanto ao Emmerson Nogueira, eu não sei. Existem coisas que são inexplicáveis e não há nada que se possa fazer para resolver isso.

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