Futebol Alternativo

As regras do futebol são claras, diria Arnaldo Cezar Coelho. Onze jogadores para cada lado, um juiz, uma bola que deve ser introduzida dentro de um retângulo delimitado por barras de ferro, só o goleiro pode pegar a bola com a mão, o atacante tem que ter no mínimo dois adversários entre ele e a linha do fundo, não pode matar, não pode roubar, não pode cobiçar a mulher do próximo e, bem, na verdade esses são os 10 mandamentos.

Por mais simples que essas regras sejam, existem outras vertentes praticadas principalmente nas escolas, quando se é criança. Leis que não estão escritas, mas que se perpetuam através das gerações, fluindo pelo espaço e pelo tempo. Vamos a algumas delas.

Rebatida vale dois: eis a mais complexa das regras. Quatro pessoas jogavam, dois pra cada lado. Uma equipe chutava a bola da marca do pênalti e outra ficava no gol. Se a bola entrasse diretamente no gol, valia um ponto. Se um dos goleiros rebatesse a bola, dois pontos. Se batesse na trave e entrasse, ainda mais pontos. E os pontos se acumulavam e em determinado momento o jogo adquiria uma enorme complexidade. O negócio era não fazer o gol, mas forçar uma rebatida do goleiro para no rebote chutar a bola na trave e ela entrar. Alguns poucos caras conheciam as regras e acredito que eles sempre encontravam meios de manipular a situação. Eram conhecidos no colégio como os caras que sabiam as regras da rebatida.

Gol a gol: nesse jogo, o futebol adquiria um ar de duelo medieval. Cada adversário ficava em um lado da quadra e o objetivo é fazer o gol. Pensando assim, era bem difícil e quase impossível meter um gol do meio da quadra e até por isso, os gols aconteciam em falhas pessoais que eram extremamente irritantes, humilhantes, um tapa na cara. Diz a lenda, que José Mourinho praticava o gol a gol em sua infância, plantando debaixo das traves, apenas passando a bola para outro lado, esperando uma falha adversária.

Bobinho: por alguma razão, professores de educação física gostavam de passar essa atividade no aquecimento para os jogos. Consiste em fazer com que uma criança seja humilhada no meio de uma roda, enquanto os outros tocam a bola de lado e fazem provocações. O bobinho é responsável por 78% dos ataques armados de psicopatas em colégios do mundo todo.

Passô levô: talvez seja um exagero chamar isso de tipo de futebol, mas era uma atividade recreativa que utilizava uma bola. Se não uma bola, uma garrafa plástica, uma latinha amassada ou qualquer objeto que pudesse ser chutado. Mistura de futebol e barbárie, o objetivo é chutar o objeto para qualquer direção e esperar que ele passe por debaixo das pernas de um cidadão infeliz. Quando isso acontecia, esse cidadão levava socos e pontapés e o espancamento parava apenas quando ele conseguia – se conseguisse – atingir o pique e muitas vezes era preciso sair do colégio, pular um muro, atravessar a rua, entrar numa casa e tocar numa cueca escondida na terceira gaveta da esquerda do armário da empregada. Espero que já tenha sido banido dos colégios.

Futbets: o bets era um esporte que misturava beisebol e pelota basca, em que você tinha que rebater uma bola para longe e marcar pontos enquanto essa bola não voltasse. O futbets partia do mesmo princípio, mas as bolas eram rebatidas com os pés, o que tornava o jogo muito mais viril, sem esse negócio de segurar um pau na mão.

Contra a rapa: em determinado momento alguém lançava a latinha no chão e dizia “eu e Bernard contra a rapa”. Nesse momento começava uma correria louca e o objetivo fazer aquela latinha passar por algum alvo, geralmente cadeiras. Não haviam goleiros, nem nenhuma regra básica, apenas crianças correndo. “Contra a rapa”, significava “contra todo mundo”, só que de uma maneira pejorativa. Poderiam ser três pessoas, seis pessoas, noventa e nove pessoas, o colégio inteiro. Apenas o ego do desafiador diria quantas pessoas estariam ao seu lado e quantas estariam na “rapa”.

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