It’s The Arts

Sobrevivendo na Bienal de Arte em meio a latas de lixo, chicletes e a sensação de que aquilo tudo é uma grande piada

São Paulo é uma cidade enorme. Doze milhões de habitantes, quase oito habitantes por metro quadrado, que compartilham duzentos quilômetros de congestionamentos diários e incontáveis filas para tomar o pão na chapa com pingado, ou comer uma coxinha num bar famoso, ou para qualquer outra coisa. São Paulo poderia ser a capital mundial da fila. Filas que também se formam nas diversas atrações culturais expostas em São Paulo, proporcionais ao seu tamanho gigantesco.

Milhares de salas de cinema, salas de teatro e espaços com exposições. A lista da agenda cultural de São Paulo é maior que um jornal inteiro de Cuiabá. Sempre haverá uma mostra sobre arquitetura, sobre um pintor norueguês, um artista armênio. Você pode estar apenas indo sacar dinheiro no seu banco e ser surpreendido por uma exposição muito interessante, e melhor, de graça.

Entre essas exposições, uma das mais tradicionais é a Bienal de Arte. Realizada, pasmem, a cada dois anos no, pasmem novamente, Pavilhão da Bienal, um prédio suntuosamente quadrado localizado no Parque do Ibirapuera. A mostra reúne o melhor do que as cabeças pensantes do mundo da arte estão realizando. O seu foco está na arte moderna, polêmica arte moderna, que aos olhos de um leigo como eu, por vezes parece uma desculpa para chamar qualquer coisa de arte.

Infelizmente, a Bienal não está entre os fatos que acontecem no sacrossanto ano da graça de 2013, porque desde 1994, a Bienal sempre é realizada nos anos pares. Até 1991, ela acontecia nos anos ímpares, mas por algum motivo, houve uma falha em 1993. Deve ter sido um choque na época.

Vinte anos depois, os curadores da exposição resolveram organizar uma compilação, um Best Of, um Greatest Hits com o creme de la creme das 30 edições já realizadas da bienal. Não por acaso, a mostra se chama “30 x Bienal”. Esse “x” no lugar de “vezes” deve dar um ar moderno ao título.

Logo que subi as escadas rolantes e cheguei ao primeiro andar da exposição, me dei de cara com um pequeno espaço vazio onde um segurança estava sentado, olhando entediado para o chão. Pensei comigo “veja só, esse segurança representa toda a monotonia da sociedade moderna diante do trabalho maçante”. Não, não era verdade. O guarda não participava de uma instalação, mas, acreditem, se algum casca grossa do mundo artístico resolvesse dizer que ele participava, as pessoas acreditariam e os entendidos do assunto iriam discutir isso, elogiando ou criticando a instalação.

Veja bem. Dentro do pavilhão você poderá ver uma curiosa obra em que uma tábua cheia de perucas presas, um rabiscado verde e um tapete, daquele tipo “welcome”, estão presos lado a lado na parede. As perucas são grotescas, mas ainda tem algum impacto. Agora, o tapete é apenas um tapete. A vontade é de chegar para alguém e falar “pessoal, para de brincadeira porra, isso aqui não é arte, é só um tapete”. Eu seria linchado.

O tapete parece uma grande tirada de sarro com os apreciadores da arte moderna e o que me parece é que as pessoas deste meio gostam de ser gozadas. O magnetismo que essas obras exercem sobre seus apreciadores é justamente essa tiração de sarro. É como a capacidade de aguentar alguém dando tapas na sua cara e falando “engole esse tapete, isso é arte”. Os fãs de arte moderna são uma espécie de recrutas do Bope.

Entre outros grandes momentos da exposição, estão uma cadeira colocada de cabeça para baixo em uma parede, uma caixa do tamanho de um caderno pendurada numa parede com outras caixas menores dentro, uma parede cheia de caixinhas de ‘chiclets’ (o original), pintadas de branco em frente a outra, com caixinhas de ‘chiclets’ sem estarem pintadas, uma série de fios de náilon presos no teto e um saco cheio de pães.

O grande momento, no entanto, é uma instalação que consiste em um grande latão azul com papel celofane embolado na sua boca. O latão estava exposto bem no meio do salão, porque se ele estivesse em um canto, às pessoas achariam que era uma lata de lixo mesmo e acabariam cuspindo um chiclete ali, transformando o chiclete mastigado em arte.
Para melhorar, isso aqui se chama "Ondas Paradas Probabilidade"

Aliás, em determinado momento você sabe que um extintor de incêndio não é uma instalação apenas pelo fato de que não há uma plaquinha explicando quem é o autor e o ano da obra. Mesmo assim, acho que um incêndio mataria todo mundo dentro do museu, ninguém saberia se pode mexer ou não no extintor. Assim como acho que todo mundo se sente meio receoso na hora de usar o mictório em uma exposição dessas e aqueles lixeiros coloridos de reciclagem ganharam algum prêmio.

Na hora de ir embora, o último ato é uma enorme bolha amarela que se parece uma espécie de puf gigante. Somos informados que aquele não é um dispositivo de segurança contra prováveis suicidas depressivos após passar pelo latão de lixo, trata-se de uma bolha que se enche e se esvazia ao longo de intervalos programados. Uma grande tiração de sarro com a cara de todo mundo.

Provocação #1: Pelo menos é de graça.
Provocação #2: Se estes são os melhores momentos de 30 anos de Bienal, imaginem os piores momentos.

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