Lendas e Tragédias Infantis

Semana passada eu estive em uma escola de Primavera do Leste, a capital nacional do Bullying. Lá, vi umas crianças fazendo aquelas coisas que elas sempre fazem, pulando de escadas, subindo em muretas. De repente, vem uma voz adulta de algum canto que disse “desce daí menino, você vai acabar se machucando. Já teve gente que morreu assim”. Gente que morreu pulando da mureta. Será que é verdade?

Voltando as lembranças do meu tempo de colégio, lembro que em 1996 a direção do colégio deu início a ousada construção da quadra coberta. Para isso, teve que derrubar um pequeno bosque, aterrar o terreno e tudo mais.  Tratores operavam por ali e no começo o local da obra se transformou em um enorme lamaçal, espécie de parque de diversões para os alunos.

Um dia veio a notícia: uma criança morreu atropelada por um trator. Chocados, ninguém nunca mais desceu até o local da obra, mesmo que não houvesse uma única máquina na pista. Outra tragédia no colégio ocorreu durante a época da festa junina, em que se promove o nefasto concurso de Rei e Rainha da Escola, que estimula os alunos a venderem votos. Um estudo antropológico seria capaz de apontar que a semente da corrupção de nossa sociedade é plantada nesta época.

Pois bem. Desesperadas para ganhar o concurso, crianças se jogavam na frente de carros vendendo os votos. Um dia veio a notícia: uma menina morreu, atropelada, enquanto buscava votos para ser eleita rainha do colégio. Ninguém nunca mais vendeu votos na hora do rush. Aquela sombra negra permaneceu sobre a instituição durante alguns anos. Mas hoje eu penso que não era nada além da velha psicologia infantil tentando amedrontar as crianças.
Carlinhos morreu no Gira Gira
Penso que se uma criança tivesse morrido patrolada por um trator, as aulas seriam suspensas. A notícia seria transmitida no Jornal Nacional. País retirariam seus filhos do colégio, os pais da criança morta processariam o colégio e o colégio iria falir. Quem deixaria seu filho estudar em um colégio em que crianças são esmagadas por máquinas? Que morte horrível. O atropelamento durante a compra de votos também seria terrível.

Há o que me faça pensar assim. Anos depois, um aluno da sexta-série morreu atropelado, não no colégio, mas em Chapada dos Guimarães. Foi um clima de comoção, aulas suspensas, alunos liberados para o velório e para a missa. Porque nada disso ocorreu com o aluno triturado por um trator? Fomos liberados da aula até quando o padre Raimundo Pombo¹ morreu.

A psicologia infantil é a única explicação. Como deter aquelas crianças que insanamente correm de um lado para o outro aprontando muita confusão? Fala que ele vai morrer se pular do quarto degrau da escada, vai morrer se subir na árvore, vai morrer se falar palavrão. Enfim, tudo mundo vai morrer um dia.

¹Aliás, esse foi um momento curioso da minha vida escolar. O diretor chegou na sala e disse:
- Pessoal, vocês estão sendo liberados...
- (eeeeeeeeeee)
- Porque o Padre Pombo morreu.
- (eeeeeeeeeeee)
Na época ninguém sabia quem era o Padre Pombo. Faça uma busca no Google e descubra a história desse ilustre mato-grossense.

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