Cuiabá no Dia em que a Mangueira Entrou


A humanidade sempre pode ser dividida em dois grupos distintos, em toda e qualquer situação. Não foi diferente nesta última segunda-feira, 11 de fevereiro de 2012, o dia em que Cuiabá viu a Mangueira entrar. Sim, no dia em que a gloriosa Estação Primeira desfilou seu enredo sobre a cidade verde, nenhum cuiabano de nascimento ou adoção ficou a margem do embate. Os críticos ferinos do desfile e os deslumbrados com a cidade desfilada em verde e rosa passaram a andar de lados diferentes da rua.

Na segunda-feira Cuiabá amanheceu diferente, era possível sentir o cheiro da pólvora no ar. Nas ruas, não se falava de outra coisa. Era sobre isso que conversavam os motoristas de ônibus, os flanelinhas do centro da cidade, as pessoas nas filas do supermercado. Nos churrascos com a presença de tios piadistas, a piada que dá título a esse post foi repetido à exaustão, provocando alguns cismas familiares. Você gostou? Você vai chorar? De emoção? De raiva? Perguntas, perguntas.

A princípio era muito mais fácil estar do lado dos críticos. Por todo o dinheiro gasto com o desfile do carnaval em outra cidade, o enredo pífio da Mangueira, com uma letra genérica que poderia homenagear qualquer cidade terminada em Á. Por outro lado, os defensores do desfile adquiriram um aspecto de passividade quase bovina. Poderiam argumentar que o desfile fomentaria o turismo na capital, mas o principal argumento era o bairrismo. E, contra o bairrismo não há argumentos.

Bateu-se o recorde de vendas de pacotes para o Rio de Janeiro. Creio que 10 mil pessoas deixaram Cuiabá para passar o carnaval na cidade maravilhosa. No sábado de carnaval, criou-se um sentimento de confusão no momento em que metade da sua timeline estava tomando sol em Copacabana, ou no Leblon. No Rio de Janeiro, as pessoas se perguntavam se estava ocorrendo um novo êxodo.

O desfile em si, foi uma espécie de show de desinformação sobre Cuiabá. As coisas já começaram mal por conta do fuso horário que fez com que por aqui, a Mangueira só entrasse no momento em que ela já estava saindo da Sapucaí.

Antes do desfile começar, alguns integrantes da escola foram entrevistados, rendendo momentos inesquecíveis. Perguntada se já conhecia Cuiabá, uma senhora disse que não, mas que esse era o seu sonho. Uma outra disse imaginar Cuiabá como um lugar no meio da floresta. Uma passista informou que representava as riquezas de Cuiabá, no caso o ouro, a natureza e o Caju.

Os responsáveis pela transmissão não se mostraram mais conhecedores dos fatos. Glenda Kowlsozlki em certo momento afirmou que o cerrado era vizinho de Cuiabá. E alertou aos possíveis aventureiros que pensem em vir à Cuiabá, para não comerem a cabeça de Pacu. "Cuidado, se comer a cabeça do Pacu, você casa lá e não saí nunca mais de lá!". A Globo, aliás, passou mais tempo preocupada em mostrar as duas baterias da Mangueira, o grande espetáculo que ninguém entendeu direito. Ah sim, a Gracyanne Barbosa também foi filmada em seus mínimos atributos.

O samba-enredo também não ajudou. O fio condutor da história era um suposto trem que os cuiabanos esperam há 150  anos. Cuiabanos de todo o mundo ficaram chocados quando foram informados que todos esperavam o trem. Fomos mostrados como um povo fracassado que há 150 anos fica fitando o horizonte com olhos perdidos, esperando o dia em que um trem surgirá, lá longe, trazendo o desenvolvimento. Mas, ele nunca veio. Afinal, como disse o G1, Cuiabá é uma cidade colonizada na era da mineração e que permanece estagnada desde o início do século XX.

Cuiabá abraçou o mundo no desfile, ganhando um ar de destino insólito. Destaque para pacus radioativos, botos, o minhocão do Pari que ganhou ares de monstro do Lago Ness. Referências às flores e peixes amazônicos (800 km ao norte de Cuiabá), ao Eldorado. Assombrações pouco convincentes, porque como diria Glenda Kolwosziyck, a lenda da mulher de branco existe até no seu condomínio. Cadê a viola de cocho no desfile? O Siriri e o Cururu? Porque o chá com bolo virou bolinho de arroz com café?

Claro que existiram boas referências. O carro do artesanato local estava muito bonito e foi sem dúvida nenhuma, a alegoria com a qual o povo cuiabano mais se identificou. A citação ao Clínio Moura, ou os cajus de João Sebastião. Tudo que passou discretamente, porque o carnaval é uma máquina de exibir mulheres com plumas e carros alegóricos com palha, com referências místicas.

No fundo, toda cidade é igual no carnaval. Lá, a cidade é retratada como os outros a enxergam. Neste caso, a Cuiabá dos jacarés nas ruas.

Terminado o desfile, os grupos permaneceram em lados opostos, cada vez mais extremados, porque mudar de opinião é para os fracos. Os envergonhados (certa maioria) e os orgulhosos se atacavam. Creio que chegou a se propor que quem não tivesse gostado do desfile deveria mudar de cidade. Ainda apareceram os velhos conciliadores, querendo que todos dessem as mãos, mas não deu certo. A Guerra Civil deve começar qualquer dia.

Comentários

Lucenar disse…
o pecado dele foi nao consultar historiadores, ficou ridiculo demais, e o pior, a tia da globo tirando onda do pacu... isso foi o tiro de misericórdia