Pão Duro

Você está em Campos do Jordão (173 km ao nordeste de São Paulo) e acabou de sair de um restaurante. Neste restaurante você pagou 25 reais num prato de estrogonofe. E para a sua surpresa, era estrogonofe Sadia para micro-ondas. No dia anterior, você viu que os comerciantes da cidade vendiam pratos executivos por 40 reais, pizzas ruins por 50 reais. A cidade é cara, cara demais.

Mas, você está de férias. Resolve tomar um sorvete numa loja, que por coincidência é uma sorveteria, que por coincidência vende sorvetes. É quando você descobre que a bola de sorvete custa seis reais. Acabaram os limites. Você não tem como aceitar isso. Você não vai tomar o sorvete. Não há bola no mundo que valha estes seis reais. Sim, você será chamado de Pão Duro. Pessoas tratarão você como um doente mental que não sabe aproveitar a vida, lhe receitarão barbitúricos.

Não é esta a questão. Se você pagasse seis reais em uma bola de sorvete, você nunca seria capaz de sorrir novamente. Você se remoeria durante o resto da sua vida pensando no dinheiro que jorrou em vão por algo que não valia à pena.

Veja, existem pessoas que pagam 150 reais numa garrafa de azeite. As azeitonas podem ter sido colhidas por virgens de Estoril (22 km ao oeste de Lisboa) que utilizavam apenas roupas brancas de algodão colhido por monges anglo-saxões que vivem em Genova (1.700 km ao norte de Varsóvia). Mesmo assim, não valeria 150 reais. Por este valor, uma colher diária deste azeite teria que promover a vida eterna, no mínimo. Fortuna e mulheres também estariam de bom grado.

Você vai em uma loja de departamento. Lá eles vendem cuecas de 50 reais. No lado há um pacote que vende 5 por 20. Veja, cuecas 10 vezes mais baratas. E são cuecas. O que Boris Casoy diria sobre a função das cuecas? Doentes são essas pessoas que gastam 40 reais num par de meias.

Quanto custa um copo de vidro? É caro não. Quanto custa um copo de plástico? Bem mais barato. Mas ah, o copo é descartável, você pode dizer. Descartável para você, seu insustentável. Basta lavar o copo. Barato e praticamente interminável. Principalmente se você morar sozinho. Um pacote de 50 copos dura pelo menos uns cinco anos.

Você, pão duro do no nosso Brasil. Eu sei que você já lavou coadores de café descartáveis. Eu sei que você já guardou aqueles restos de Coca-Cola e se surpreendeu quando juntou uma garrafa de dois litros assim. Um sorriso se abriu em sua face e o brilho voltou no olhar.

Quem nunca levou a namorada na sessão de cinema as 22h na quarta-feira? Depois do jantar, para economizar no lanche. Fez amizades com desconhecidos apenas em troca de caronas e almoços gratuitos. E a satisfação em perceber que o limão é mais barato do que desodorante?

E a adrenalina que é fazer todas as suas atividades no tempo de carência do estacionamento pago. Vinte minutos para resolver uma vida. A diversão que é se fingir de surdo para não pagar o couvert artístico. Utilizar o celular para sair rapidamente e não pagar a gorjeta para alguém. E sempre freqüentando lugares diferentes, para não ser descoberto. A arte de juntar as balinhas do troco para comprar uma televisão nova.

Os pão duros são pessoas sensatas. Não gastamos dinheiro a toa. No final do ano conseguimos economizar, não sei, quinhentos reais, muito dinheiro. E o que fazemos com esse dinheiro? É claro que guardamos, oras.

Comentários

Anônimo disse…
"E a satisfação em perceber que o limão é mais barato do que desodorante?"
Kkkkkkkkkkkkkkkk

Dá para aproveitar o sabonete também