Perfil de Público

Lembro-me de uma matéria de capa da Veja de alguns anos atrás, anos em que ler algo na Veja parecia indispensável, sobre quanto custa para se criar um filho até os 22 anos. Parecia interessante. O gasto médio variava de 320 mil até 962 mil Reais. Ou seja criar um filho pode custar quase 4mil reais mensais.

Você pensa então “puta merda, caro pra cacete criar um filho, vou agora mesmo ao médico fazer uma vasectomia”. Mas antes disso, você resolve ver os gastos detalhados. Acreditem, na faixa mais cara eles prevêem gastos mensais de:
- 205 Reais com roupas.
- 1400 Reais com educação.
- 11 Reais diários com transporte.

Logo me assustei. Como assim, gastar 205 reais por mês com roupas? Vai comprar um terno por mês pro filho? Se eu gastei isso a cada seis meses foi demais. E que mensalidade é essa? O que essa criança vai andar tanto pra gastar tanto assim com transporte?

Logo vem a resposta. A matéria foi feita baseada em famílias neuróticas. Daquelas que a mãe faz poupança pra faculdade da criança no momento em que ela nasce. Matricula o filho no cursinho mais caro, mesmo que ele queira passar na faculdade de filosofia. Coloca o Robertinho no melhor colégio da cidade e o inscreve no curso de inglês com 4 anos. Paga táxi pra ele ir ao shopping de tarde. Compra uma roupa pro filho almoçar domingo, porque filho meu não anda mal vestido.

Essas crianças que se transformarão em adolescentes que sairão todo fim de semana. Gastarão uma fortuna com roupas, celular e bebidas alcoólicas. Crescerão sem responsabilidade e vão passar em uma universidade vagabunda.

Você percebe então que a Veja não foi uma revista feita pra o seu perfil. Você não faz abaixo-assinado para evitar que façam um estação de metrô no seu bairro. Bem, pelo menos você desistiu da vasectomia, ou talvez da ligação das trompas de falópio.

Você sente um choque quando percebe que não faz parte do público alvo de algo que você lê ou assiste. Você se sente envergonhado. Há quase uma coerção social para que você mude e se adapte ao público alvo da publicação. É como descobrir que seus amigos só gostam de ouvir I Gotta Feeling.

Isso tem acontecido comigo recentemente enquanto leio matérias da Super Interessante. É uma revista dá qual eu gosto (Ok, podem me jogar pedras por isso, já que na sociedade atual não se deve gostar de nada). Mas várias vezes eu me sinto deslocado enquanto eu a leio. A revista parece ser feita para um público moderninho que fez fila para comprar um iPad. Parece que é uma obrigação do ser humano ter um smart phone.

Esses dias eles promoveram seus testes digitais no Twitter. Fui fazer um sobre “Etiqueta Digital”. Primeira questão e era difícil achar uma resposta boa para marcar. Depois uma pergunta sobre estar apaixonado e utilizar o facebook. Não havia uma única opção digna. Depois se falava sobre o e-mail criado com 13 anos, como se todo e-mail criado aos 13 fosse algo como rafofinha13@bol.com.br.

Não existia espaço para pessoas sensatas nesse teste. Não existe a possibilidade de você utilizar o facebook moderadamente. Ou você é um alucinado que passa o dia inteiro falando merda por lá, ou é alguém que nem sabe em que botão do mouse clicar. Ou você é do tipo que manda correntes ou é do tipo que acha que corrente é aquilo que se usa pra amarrar bicicleta. Não existe meio termo.

Todas as publicações parecem ser feitas para um público médio estereotipado. Que foi um adolescente retardado e hoje é alguém sério conectado com o mundo. Um público que acha que palestras engraçadas são boas, que twitta quando está no banheiro, que se masturba com uma corda amarrada no pescoço. Que faz comentários anônimos ofensivos em posts sobre como se transformar em um crítico de cinema.

Falta espaço para as pessoas normais. Aquelas que pedem coca com limão e gelo, mas dependendo do dia querem só gelo. Pessoas que curtem um filme italiano, mas também podem rir em filmes do Adam Sandler. Que odeiam o Flamengo e o Corinthians também. Que sempre tem que confirmar se falaram débito ou crédito. Usa a internet todo dia, mas também sai de casa. Anda de ônibus, mas também pode andar a pé se tiver esquecido o dinheiro em casa, mas quem sabe, pode até pegar um táxi um dia. Pessoas que lêem o CH3 e acham que em alguns dias é legal, mas em outros é imprestável.

Enfim, um público amplo, moderado, sensato, diversificado, multicultural e heterogêneo.

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