Entrada

Um dos momentos mais constrangedores de um telejornal ao vivo é justamente a entrada ao vivo. Imagine-se que quando a produção faz a seguinte pergunta para o entrevistado:
- Quer participar de uma entrada?
Ele poderia pensar muitas coisas.

Patês
Poderia pensar que ele estava sendo chamado para comer umas entradas. Uma torradinha com patê de presunto, uma tábua de frios, porção de azeitonas, amendoins salgadinhos para acompanhar uma cervejinha e jogar conversa fora sobre futebol e política.

Sexo
Podia ser uma gíria para uma noite de sexo, porque não?

Futebol
Seria meio estranho. Geralmente, jogadores como o Felipe Melo não avisam que vão dar uma entrada. Eles vão lá, dão o carrinho, te quebram a perna, cospem na sua cara, recebem o cartão amarelo e te invalidam para o futebol.

De qualquer maneira, você pode responder que está tudo bem com a entrada, desde que te avisem onde é a saída.

Mas não. É uma entrada ao vivo. Às vezes pode parecer interessante, uma oportunidade de aparecer na televisão e mostrar o seu trabalho, seja lá qual for o seu trabalho. Você ainda sonha com a possibilidade de fazer uma loucura ao vivo em rede nacional, ou mesmo local, sem que seja censurado já que não haverá edição prévia. Algo do tipo, passar a mão nos peitos da repórter ou falar um palavrão. Mas, na Hora H você vai travar.

Até por isso, é um tormento. Se você gaguejar, tal qual uma Ruth Lemos, não haverá outra possibilidade. Você não poderá sentir coceira, espirrar, gorfar, engasgar, tossir, escarrar, errar palavras por pura confusão mental. Caso o contrário, você será humilhado pelo resto da sua vida. Seu vídeo virará um hit na internet e, pior, logo dirão que a cena foi fake. E mesmo assim, você irá virar motivo de um funk na internet. Não há nada pior do que inspirar e tematizar um funk.

Fora as questões logísticas. A entrada ao vivo não será na sua casa ou na principal avenida da cidade. Ok, ela até pode ser na principal avenida da cidade. Mas eles darão prioridade para um lugar temático, que combine com o assunto da pauta. Se o tema for comida, você vai pro mercado. Se a matéria for sobre acidentes de trânsito, eles não hesitarão em te levar até uma rodovia no infinito insólito.

Te levar não, você terá que ir por conta própria. E terá que chegar uma hora antes no local. Se o programa for na hora do almoço, você não vai almoçar e não poderá nem desmaiar de fome no momento. E tudo isso para uma cena que será mais ou menos assim:
- Pois é. Todos os anos, mais de 600 pessoas morrem em acidentes de trânsito nas nossas estradas. Estamos aqui ao lado do Dr. Arnaldo Praga, especialista em segurança no trânsito. Arnaldo, porque acontecem tantos acidentes de trânsito?
- Bem, uma das principais causas é a imprudência, seja ela motivada ou não pelo consumo do álcool. Às vezes, pode ser apenas pela desatenção. O excesso de velocidade e má conservação das rodovias, além da má sinalização, são outros motivos constantes.
- E o que pode ser feito para prevenir esses acidentes?
- Bem, o motorista deve estar sempre bem atento. Evitar o consumo de álcool, estar descansado, fazer uma revisão no carro, mas o principal: estar atento.
- Obrigado Arnaldo, voltamos com você no estúdio.

Sim, obrigado Arnaldo. Obrigado por ter vindo até aqui na casa do caralho pra responder duas perguntas idiotas que nós poderíamos ter feito por telefone, ou ter dito por conta própria, afinal, todo mundo sabe disso. Obrigado por ter perdido o seu almoço e ter se deslocado até aqui para perder seu tempo e ficar com a imagem de um capitão óbvio.

Entradas são perigosas.

Comentários

Thiago disse…
Hahahahah. Otimo post