A banda mais feia da cidade

O mundo estava fofo demais. A banda mais bonita da cidade dominou as redes sociais e amoleceu corações pelo país. Pessoas diziam que se sentiram tão sensíveis ao escutar a última oração, que chegaram a dar o cu. Pois este era o cenário ideal para a volta dos Benga Boys. A banda mais feia da cidade. A mais odiada. A mais asquerosa.

Ontem à noite eles voltaram a fazer shows, após um hiato de três meses. Período no qual os seus membros se dedicaram a projetos paralelos. Zé Coveiro foi lavar pratos num restaurante de beira de estrada, Pedro Tolete foi carpir quintais e Cláudio Defunto voltou a atuar em filmes de Gore.

Assim, eles conseguiram juntar dinheiro para gravar seu novo disco, o décimo sétimo da carreira, incluindo aí os lançamentos de rap, axé e funk – coisas do período negro do grupo. O disco foi gravado num período de uma hora, pouco antes do show. Foi copiado e vendido embrulhado em papel higiênico com gravuras feitas por Zé Coveiro.

O show aconteceu em um ferro velho, ao lado de um ônibus enferrujado. Era a volta do grupo aos grandes palcos, após uma turnê realizada apenas em Banheiros Químicos e elevadores da cidade. Aproximadamente 17 pessoas compareceram ao local, sendo que 11 pertenciam a um time de futebol que procurava um campo de futebol na região.

Com meia hora de atraso os seus quatro integrantes subiram ao palco, junto com o esqueleto de João Cavalo, morto em um acidente de carro em 1999. Logo no começo, uma série de clássicos como Pussy Vomit, Drinking in the Devil Ass, Put My Cock in your Ears e Toilet Song. O som cru da bateria e a guitarra visceral de Pedro Tolete se confundiam com o som dos ossos se quebrando e dos olhos sendo vazados por cabelos moicanos.

O clima já era de filme do Tarantino. Foi quando a banda tocou Bastard Dog, faixa de abertura do novo disco. Com um minuto e cinqüenta segundos de duração, esta é a mais longa faixa produzida pelo grupo em sua fase underground. Revoltados, alguns fãs começaram a vaiar. Outros relembravam o passado de micareta do conjunto. Quando a música terminou, uma voz gritou “você estão traindo o movimento ultra-protopunk-hardcore!”. Foi a gota d’água.

Começou uma briga entre banda e público que durou alguns minutos. Como não havia policiamento no local, nada podia conter a fúria dos lutadores. A violência foi tamanha, que seria capaz de fazer um lutador de UFC chorar em posição fetal na hora de dormir.

Ao final, o cenário era de horror. O ônibus estava incendiado, dois fãs caiam desfalecidos e o baterista Cláudio Defunto havia perdido um braço. Pensei em ligar para o SAMU e sair correndo, mas por incrível que pareça o show continuou. E numa das atitudes mais hardcores da história, Cláudio utilizou o braço decepado como baqueta para uma última música, que eu não consegui entender qual era, porque os equipamentos estavam destruídos.

Pouco depois, a polícia apareceu no local, atraída pela fumaça. A banda ordenou que a platéia enfrentasse os policiais, mas os mesmos estavam caídos no chão sem força. A polícia rendeu todos e antes de ser enfiado no camburão, João Coveiro gritou “Hardcore Will Never Die! Oração é minha benga!”. Tomou uma cacetada e foi trancafiado. Uma noite inesquecível.

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