O Insustentável

Meu nome é Marcos André. Mas você pode me chamar de Marquinhos. Você pode me chamar de o Insustentável, porque esse é o apelido que eu carrego com orgulho. Gosto de ser reconhecido assim, gosto de ser assim. Trabalho arduamente para honrar esse apelido que tão bravamente adquiri.

O negócio é o seguinte: hoje em dia todo mundo fala sobre essa história de ser sustentável. Salvar o planeta em que vivemos, preservar os nossos recursos, pensar nas próximas gerações. Tudo uma balela. Quem se importa com os ursos polares? Eu quero é viver a minha vida e quero o agora. Todos esses ideais de sustentabilidade só pregam que você tenha uma vida insuportável. Uma vida cheia de preocupações e desconforto.

E é por isso que eu sou um insustentável. As pessoas trabalham para preservar? Eu quero é destruir. Eu espero que o que eu faça compense todo o cuidado dessa meia dúzia de babacas naturebas.

De manhã eu acordo e logo vou escovar os dentes. E eu escovo com a torneira aberta o tempo todo. E enquanto eu escovo, já deixo o chuveiro ligado para esquentar a água. Também faço a barba com o chuveiro ligado. Sinto um prazer em ver aquela água limpa escorrendo pelo ralo. Em pensar que aquela água conseguiria sustentar uma família sudanesa durante um ano.

Quando eu passo no supermercado, faço minhas compras priorizando os produtos que venham do mais longe possível. Que tenham consumido mais combustível fóssil para chegar até ali. E claro, coloco um produto em cada sacola. Se eu comprei três pacotes de halls, é uma pra cada sacola. Sacolas, é claro, nas quais eu futuramente colocarei lixo e queimarei no meu quintal.

Agora estão com esse modismo hipócrita de acabar com sacola plástica. Dizem que elas demoram um século para se desmanchar no solo. E daí? E nossa herança para as futuras gerações? Não achamos lindo quando encontramos talheres soterrados de três séculos atrás? Temos vergonha da história que estamos construindo? O meu sonho é ser entrevistado numa dessas matérias que tentam humilhar quem usa sacola plástica, só pra dizer umas verdades.

Na minha rotina não existe papel de rascunho. Se eu preciso fazer uma soma simples de matemática, pego uma folha A4 branquinha. E depois da conta, eu a jogo fora. Todos sabem que é horrível escrever em versos. Eu não tenho esse desprazer. Os recursos estão aí para nos ajudar, não é mesmo?

E é claro, eu queimo o papel. Para não existir a possibilidade de que ele seja reciclado um dia. Também coleciono latinhas de alumínio. Sabe aquele 10% das latas que não recicladas? Então.

Se eu tenho que ir até a esquina comprar um litro de leite, eu vou de carro. E é claro, eu deixo ele ligado aquecendo, aperto bastante o acelerador. E não é qualquer carro. Quando o comprei, me certifiquei que ele consome bastante combustível. Meu sonho é retirar o seu catalisador, para que ele possa soltar toneladas de monóxido de carbono na atmosfera. Se fode ai, protocolo de Kyoto.

Meu vestuário é baseado em peças de jeans – uma vez que elas consomem um Amazonas inteiro de água para serem fabricadas. Não sei como, mas isso é legal. Também gosto de peças de couro. Principalmente de animais em extinção.

Uma grande dúvida na minha rotina é quanto à louça. Não sei o que é melhor. Lavar a louça com a torneira ligada para gastar mais água, ou usar apenas copos e pratos descartáveis. Decidi por usar copos de plástico e lavá-los antes de queimá-los. Não podia perder a oportunidade de jogar o óleo da fritura pia abaixo. Imaginar aquele negócio entupindo e estourando encanamentos.

Vocês já devem ter imaginado que eu também desperdiço comida, não é mesmo? Para um prato de arroz, cozinho um saco inteiro.

No momento, procuro uma alternativa para os produtos de madeira feitos a partir de reflorestamento. Eu quero um lápis de madeira virgem, extraída ilegalmente e se possível, de dentro de uma reserva ecológica! Tenho medo dessa onda de alimentos orgânicos. Por mais que, me dizem, eles ocupam mais terra para produzir menos alimento, o que talvez seja interessante. Também tenho medo de que acabem com as lâmpadas incandescentes. Aquele brilho amarelo e consumista é muito mais bonito do que a opacidade florescente.

Falam que do jeito que a humanidade está, em 50 anos o mundo não se sustentará. Quer saber? Azar de quem estiver vivo. Quem veio primeiro sempre tem vantagem. Uma lei universal e atemporal.

Comentários

Dado Doria disse…
Insustentavel e rico esse sujeito.