Focagem

Durante muito tempo, o foco era uma palavra que circulava restritamente no meio de fotógrafos e entusiastas da fotografia. A foto não estava focada. Tava tudo embaçado, o enquadramento ruim, em suma, uma suprema fotografia. Hoje não. O foco, a focagem, o focado, estão na boca de motivadores, jogadores de futebol e apresentadores de televisão. O foco é uma palavra da moda.

Hoje, é até estranho pensar no sentido original da palavra. Qualquer jogador de futebol da contemporaneidade abre a boca com autoridade para falar “estamos focados no nosso objetivo, que são os três pontos”. Em outros momentos, ele poderia falar “estamos imbuídos no nosso espírito”. Outros tempos, agora é a era do foco.

Foi-se o tempo em que o foco era utilizado apenas em piadas do tipo “o foco é o marido da foca?”. Hoje vemos o foco nos objetivos, o foco nos negócios, o foco no cliente, o foco na verdade, o foco no passado, foco no futuro, no presente, empreendedorismo, o foco na puta que o pariu.

Jornalistas também adoram colocar as coisas no foco. Se antes se falava “colocar o fetichismo em pauta”, agora ele é colocado em foco. Temos que focar esse assunto. É o foco da notícia (antigamente tínhamos o foca, essa expressão horrível). Se um político morre em um acidente de carro, junto com um garoto de programa. E no porta-malas foram encontrados 50 mil dólares, supostamente desviados de uma conta da Suíça.
- Você pode dar a manchete de que “político e garoto de programa morrem em acidente de carro”. Será tachado de homofóbico e sensacionalista. Terá reduzido as duas vidas as suas atuações, além de ter explorado o romance homoerótico.
- Você pode focar o mistério dos 50 mil dólares no seu carro. Será uma abordagem investigava, criticada por não observar o luto familiar e se prender a questões terrenas, que agora não tem importância.
- Mas, como o seu jornal é chapa branca, você vai apenas falar da sua morte. Da dor da família e dos seus feitos. Entrevistará os amigos que dirão que ele foi um visionário a frente do seu tempo. Que deixou muitos amigos e uma grande herança política, além da saudade. Mesmo que ele tenha sido um escravocrata, pedófilo e corrupto.
- Você ainda pode ignorar a notícia e tentar ligar a morte a algum candidato oposicionista que não paga seu jornal.

Temos ainda os focos da dengue. Intermináveis, invencíveis, inúmeros e inacreditáveis.

E isso me lembra um tipo de pessoa. Pessoas que dão a notícia com o foco errado. Aquela pessoa que te aborda de manhã e diz:
- Pois é, o Jorge vai vir trabalhar de manhã.
- Ué, porque?
- O Antônio morreu e o Jorge vai substituir ele.
- Ahn?
- É, morreu, picado por uma cobra. O velório é agora de tarde.

Esse tipo de pessoa tem uma dificuldade em dar notícias mais pesadas e procura uma maneira de ser mais leve. Consiste em fazer uma abordagem exótica, de difícil compreensão, como:
- As férias do Roberto terminaram mais cedo.
Essa afirmação causará confusão mental no ouvinte. Que perguntará o porquê dessa afirmação estranha. A resposta será trágica:
- O avião em que ele estava caiu. A família inteira dele morreu e ele está na UTI.

Acho que esse texto não ficou muito focado.

Comentários

eduardo doria disse…
Tem um Os Trapalhoes que o Zacarias e o Mussm ficam se enrolando pra tocar na campainha e informar que o marido da moradora morreu. Depois de um tempao o Zacarias bate na porta, a mulher atende e ele diz "A senhora que é a viuva do fulano de tal"
Thiago disse…
shaushaushaushaush, eu não entendi o foco do texto ainda.