Fotografar

Olhe para sua pasta de fotos no computador. Perceba que você tem vários momentos registrados, lá pelo ano de 2005, 2006. Perceba então que a quantidade de fotos foi caindo até o ano atual. Em 2006 você tinha fotos de idas ao restaurante, do churrasco de domingo, dentro da sala de aula. Hoje, suas fotos se restringem a ocasiões especiais, formatura, casamentos e olhe lá.

Tudo isso faz parte de um processo secular, que fez com que a fotografia passasse de uma arte rudimentar, até um ato banal do cotidiano. Ok, você pode dizer que fotografar ainda é uma arte e que eu posso ser até bem humorado, mas que não entendo nada de fotografia. Que ao contrário do que digo, a profissão de fotografo não é baseada em costumes preguiçosos e velhos clichês. Sim, você pode dizer isso e eu vou apenas rir.

Quando foi inventada, a fotografia, além de rudimentar, era um saco. Um cara precisava se esconder atrás de uma caixa e puxar uma cordinha para abrir o obturador (não, ele não era dentista). E todos precisavam ficar alguns minutos na pose, porque demorava até a imagem se fixar.

Com a invenção do rolo de filme, tudo se modificou. O processo passou a ser mais rápido e com a futura invenção das máquinas portáteis, a fotografia entrou no cotidiano das famílias mundiais. Não era mais preciso chamar alguém com um aparelho enorme para tirar aquela foto posada. Era só pedir para que falassem “xis” (cheese para os ingleses) e apertar o botão.

Claro que não era tão fácil assim. Alguém poderia sair com cara de que iria gorfar na foto e você só ira perceber quando o filme fosse revelado. O mesmo momento em que você perceberia que cortou o topo da Torre Eiffel e que seu dedo saiu na frente da catedral de Massachusetts. Você tinha no máximo 36 chances de que a foto saísse boa. Muitas vezes tirava duas, para garantir, caso alguma queimasse. Sim, sempre havia o risco de que a foto não aparecesse no final, por motivos que ninguém sabia explicar. Você tinha que resumir suas férias nessas 36 fotos. No máximo, em mais 36.

E isso, eu falo, para as fotos assim, da família normal. Se você quisesse tirar uma foto realmente boa, era outra história. Você tinha que usar a lente certa, o tempo certo de abertura. Verificar as condições de vento, iluminação, temperatura e umidade a CNTP (condições normais de toda porra). E ainda ter um pouco de sorte para que o leão não se mexesse antes da hora certa.

E do jeito que você tirou, é o jeito em que ela ia ficar. Caso você tivesse um estúdio de revelação em casa, você poderia aumentar o tempo de exposição do filme, para tentar corrigir algum defeito, mas não adiantava muito.

Hoje não. Qualquer um tira fotografias, quantas vezes quiser. Pode ver na hora “opa, Andreza saiu rindo numa foto que era para todo mundo estar sério, vamos tirar outra”. Pode ver quem piscou, quem bocejou, quem saiu com cara de que viu o Tony Ramos sem camisa. E tirar outra, outras fotos.

E claro, poderá corrigir os eventuais defeitos de iluminação, ou o que for, no photoshop. Qualquer foto do quintal da sua casa pode virar uma foto artística com os efeitos de computador. Você pode até pegar aquela foto sua em uma varanda sem graça, se recortar e colar em uma plantação de soja. Ninguém vai perceber que é uma montagem.

Não existem limites. Inclusive para as fotos da suas férias. São 200 fotos de um fim de semana em João Pessoa. Fotos de cada mísero lugar que você conheceu na cidade. Mas, já perdeu um pouco a graça.

No advento da máquina digital, todos tiravam fotos de tudo, empolgados com a possibilidade de registrar cada momento de sua vida, sem se preocupar em amontoá-los em uma prateleira empoeirada. Hoje, a empolgação passou. Todos sabem que todos os momentos podem ser registrados. Justamente por isso, não o fazem. Isso explica o esvaziamento do primeiro parágrafo.

Comentários

J. Tomaz disse…
Não vou fazer críticas ferrenhas pedindo pra vc ir ler Villen Flusser, Roland Barthes, Andre Rouille... nada, pq sei que isso é humor... me diverti lendo, como sempre.
Andreza disse…
ahahahahaaha

Tá, esse é o meu dom pessoal, que vou levar pra estragar as fotos das pessoas para todo o sempre. E também quero uma foto no meio de folhas enormes de soja. O Guilerme tem tb vária fotos ao longo dos anos, mais que nós, quicá.
Adérito Schneider disse…
É verdade. Minhas fotos estão diminuindo cada vez mais. Eu sempre esqueço de levar a câmera quando saio. Na verdade, eu tenho mais fotos da época que eu não tinha câmera digital (graças à Isa Maria, que registrou várias festas e congressos dos tempos de faculdade).