A Arte de interpretar conversas alheias

Pessoas conversam desde que elas aprenderam a falar. Pessoas conversam agora na Indonésia, nas Bahamas e se bobear, até mesmo aqueles monges que fazem voto de silêncio estão conversando agora, escondidos. Ninguém poderá denunciá-los, sob o risco de também infligirem seu voto. Você jamais saberá o que as pessoas conversam. Mesmo que sejam seus amigos, parentes. Você não se lembrará nem das suas conversas. No geral, elas vêm e vão como as ondas do mar (cante junto).

Você presenciará muitas conversas, das quais você não participa. Ao longo da sua vida você pescará milhares de fragmentos de conversas alheias. Você pode não prestar atenção nelas. Ou então, você pode tentar interpretá-las. Uma atitude simples, que fará com que a sua vida seja muito mais divertida.

1 Ao Telefone
O tipo mais clássico. Você está na fila do pão e o telefone do cara da sua frente toca. Ele atende.
- Oi, sim. Levei sim. Aham. Já está lá. O Marcos? Não, não sei. O que ele fez? Meu deus. Como assim? Mas já foram ver? Meu deus...

Ele pega o pão e vai embora para sempre. E você não sabe o que o Marcos fez. Será que eles vão conseguir resolver? Esse Marcos, sempre aprontando. Você é claro, pode também tentar imaginar o diálogo com o interlocutor do lado oposto da linha. Uma imaginação simultânea.

- Oi, sim.
- Comprando pão?
- Levei sim.
- Leva presunto.
- Aham.
- E palmito também.
- Já está lá.
- Não to vendo.
- O Marcos?
- É o Marcos também.
- Não, não sei.
- Eu também não.
- O que ele fez?
- Comeu todo o palmito.
- Meu deus.
- É só trazer mais palmito.
- Como assim?
- Palmito, porra.
- Mas vocês já foram ver?
- Sim, acabou.
- Meu deus.

Outra modalidade comum é quando você está conversando com uma pessoa e o telefone dessa pessoa toca. Tímida, diante de você, ela não fala muito. Entre respostas monossilábicas, risos, afirmações e ahans. Você imagina o que a pessoa está perguntando do outro lado. Se ela gosta de pinto? Aham. Cueca de elefantinho? Sorrisinhos. Besuntação aromática? Sim.

2 Pessoalmente
Você está no parque, caminhando, preservando sua saúde, desobstruindo suas artérias e fortalecendo sua musculatura. Duas mulheres vêm conversando no caminho oposto.

- e então eu falei pra ele. Você tá louco? O que é que você tá dizendo? E ele falou que eu devia estar de ressaca. Você acredita que ele falou isso? Esse cafajeste...

Cafajeste. E como a história terminou? Houve briga, morte, sexo, traição, coma alcoólico, vingança? Você jamais saberá como essa história terminou. Você não pode simplesmente seguir a pessoa para ouvir a história. Desde, é claro, que você não seja o Vinícius.

Há ainda outro caso. Quando você pega um ônibus, um transporte coletivo. Ou até mesmo quando se senta no restaurante e presencia trechos longos da conversa. Você passa a ser íntimo desde doce desconhecido. Pensa até em palpitar nas suas relações pessoais, em dar conselhos.

Pior acontece quando você tem uma viagem longa de ônibus. E as duas pessoas atrás de você, são daquele tipo de pessoas constrangedoras que puxam conversa com pessoas desconhecidas. E então, você sairá da viagem, pronto para escrever uma biografia sobre essas pessoas. Terá conseguido captar mais informação do que Truman Capote. Saberá que uma é fumante, que teve dois filhos, que fez cirurgia de redução de estomago, que adorava brigadeiro. Que outra é divorciada, foi largada pelo marido, e vive sozinha. Que ambas adoram A Grande Família, e que uma, inclusive, tem o DVD de todas as temporadas. Saberá detalhes do cotidiano das duas. Se você não quiser escrever o livro, poderá planejar um seqüestro.

Acho que a partir de hoje começarei a juntar fragmentos de conversas alheias para escrever um livro. Tomem cuidado.

Comentários

Thiago disse…
Avós adoram fazer esses levantamentos da vida alheia em ônibus, caixa de supermercado, farmácia, fila de lotérica. O pior é que elas contam nossas vidas também.