Corto cabelo e pinto

Voltemos ao mundo infantil, ao colégio, até a sua turma de terceira série. Veja seus colegas em volta, veja o terrível Ivan fazendo alguma merda. Vai sobrar pra você. Pois bem, na sua infância no colégio, existiram vários momentos terríveis. A possibilidade de falar com alguma menina, a prova oral de português na qual você teria que conjugar o verbo haver no pretérito-mais-que-perfeito, na frente de todo mundo. Aparecer com um tênis novo.

E aparecer com o cabelo cortado. Difícil entender porque o cabelo exerce tanto fascínio no ser humano. Mas era assim, você cortava o cabelo no sábado, e segunda-feira tinha medo de ir na aula.Você chegava e a primeira coisa que acontecia era alguém apontar e dizer “Ahhhhhhhhhhhhhhh, cortou o cabelo, ahhhhhhhhhh”. Isso não significava que o corte tinha ficado uma merda, ou que tinha ficado sensacional. Significava apenas que um corte havia ocorrido. Os gritos de “ahhhh alguma coisa” não tinha um significado lógico, que não o da humilhação “ahhhhhhhhhh, borracha nova” ou “ahhhhhh, chupando pinto”.

A situação era ainda mais complicada quando alguém raspava a cabeça. Difícil saber se era algum surto infantil, piolho ou obrigação do pai militar, não sei o que levava uma criança a raspar a cabeça, mesmo que fosse na máquina 4. Fazer isso era como ser judeu e ir num campo de concentração. Ser um camelo e entrar nos reino dos céus. Um rico e passar no buraco da agulha. Sem chance. A humilhação seria suprema. Você receberia os mais diversos apelidos.

Quando crescemos, supostamente evoluímos e paramos com essas palhaçadas. Ou não. Um cara aparecendo careca sempre será motivo de piada, principalmente se ele aparecer numa aula de fotografia com uma camisa de prevenção a AIDS. Mas, mal reparamos em cortes de cabelo. As mulheres sabem disso.

Do outro lado temos os cabeleireiros. Entre outras coisas, está é uma das palavras mais horríveis da língua portuguesa. Me dá gastura falá-la e até escrevê-la. Cabeleireiros, cabeleireiros, tem Ei (eymael!) demais para pouca palavra.

Mas os profissionais da área (me recuso a escrever a palavra de novo) são pequenos artistas. Pelo menos se sentem assim. Tem opinião para todo e qualquer assunto do planeta, só os taxistas tem mais opiniões.

Existem aqueles que cortam o cabelo como se estivessem esculpindo a Vênus de Milo (estátua preferida do Cão Leproso). Olham de todos os ângulos, admiram, provavelmente gostariam de expor seu cabelo em alguma bienal. Existem os que tratam o ato como uma ciência exata. Pedem para que você posicione seu pescoço em determinado grau e colocam seu olho milimétrico para acertar as pontas. Existem também os generais, que travam verdadeiras batalhas em campos capilares, utilizam a tesoura como uma arma para derrota o adversário – no caso, seu cabelo. E existem os pombos, aqueles que cagam (o Word sugere um simpático defecam) na sua cabeça.

Há uma questão de fidelidade no corte. Existem homens (e também mulheres) que trocam de parceiro, trocam até de time de futebol, mas não trocam o cabeleireiahh, que palavra horrível. Eu mesmo, sempre ia ao Noel, simpático filho de ucranianos no CPA. Até que um dia ele desapareceu e foi para o interior do Paraná. Nunca mais voltou. Mentira, ele voltou sim, mas esse tempo na relação não foi bom. As coisas nunca mais foram às mesmas.

Desde então tenho uma relação poligâmica. Corto o cabelo cada vez com uma pessoa diferente e experimento as sensações de surpresa e decepção. A cada vez uma nova aventura.

Comentários

J. Tomaz disse…
“ahhhhhh, chupando pinto”

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