Vós degustais

Semana passada eu estive em um consultório médico (que já foi tema de um post passado). Como eu estava sem livros e o lugar não tinha televisão, tive que apelar para as revistas durante a infinita espera pela consulta. Fugindo das Caras, caiu em minhas mãos um exemplar de uma revista especializada em vinhos.

Depois de entrevistas sobre uvas Cabernet Sauvignon e matérias sobres adegas refrigeradas, a revista terminava com um guia do consumidor. Sabe como é, os especialistas analisaram vários tipos de vinhos em suas várias safras. E uma análise de vinho vai além do puro e simples sabor.

Pois eu devo dizer que ri. E ri bastante lendo as resenhas viticultoras. Gargalhei e depois rolei no chão rindo. Ok, eu apenas sorri contidamente para manter as aparências enquanto lia sobre aromas amendoados e notas amadeiradas.

(Antes que algum degustador viadinho apareça por aqui dizendo que sua profissão é séria, não é baseada em clichês e costume preguiçosos, e que ela necessita anos de aprendizado, eu deixo claro que respeitamos os enólogos do Brasil e do mundo, mas que no entanto eu faço esse post do ponto de vista de um ser humano normal. E o ser humano normal bebe vinho com Coca-Cola® e não tem o costume de olhar copos contra a luz. Se você quiser aprender como ser um enólogo, favor, prossiga sua busca no Google e não venha culpar sua miserável incompetência em fazer uso da ferramenta de busca, aqui. E ah. Todo mundo adora criticar trabalho de jornalista e publicitário, não sei porque as outras profissões se mordem tanto com piadinhas.)

Mas tive vontade de rir mesmo quando finalmente o clímax chegou. Ao descrever uma certa safra de um certo vinho (“impressionante, é a primeira safra deles e eles já conseguem esse resultado!”) o desgustador teve um orgasmo em palavras. Começou dizendo que o “aroma de frutas escuras é inebriante e sensual”.

Peraí? Sensual? Como assim? Volta e meia nos meus momentos de devaneios, eu me pego pensando em como um vinho pode ser sensual. Como aquela garrafa pode transmitir sensualidade, apesar de ela ser fálica.

O indivíduo entra no quarto e a garrafa espera por ele, nua, sobre a cama. Há uma troca de olhares e o clima acontece. Depois de uma troca de carícias, a garrafa já está toda aberta e esperando para ser consumida. Após horas de gemidos de prazer o indivíduo deita na cama e adormece.

Depois dessa fábula erótica etílica, o texto ainda terminou dizendo que o vinho é muito elegante no momento em que entra na boca. Provavelmente ele pede licença.

Existem pessoas que tentam degustar azeite. O que pra mim é algo completamente assustador, uma vez que azeite puro é algo digno de se vomitar. E eu não imagino outra qualidade do azeite que não seja o seu gosto de azeitona.

Existem até pessoas que tentam degustar frescamente uma cerveja. Dizer dos seus aromas, seu forte gosto maltado e etc. “Nova Schin: forte aroma de urina de camelo. Ao entra na boca o sabor é broxante e deselegante”.

Falando nisso, existem pessoas que fazem um trabalho próximo a isso com a urina. Você já fez exame de urina? Pois bem, se fez, sabe que no resultado consta a cor e o cheiro de sua urina. Aparece que sua urina tem odor característico.

Sempre que você estiver triste e desiludido com a vida, pense no cheirador de urina. Em quão desgraçante é essa profissão. Dia após dia, sozinho, pegando dezenas e dezenas de exames de urina, dando uma cheirada pra dizer “opa, essa cheira bem!” ou “hmm, cheiro ruim”.

Pior mesmo, só se o exame apresentasse o gosto da urina.
- Gosto: característico.
Ou pior:
- Gosto: levemente amendoado.
Ou pior se isso acontecesse com os exames de fezes. Para alguém ser feliz nessa profissão, apenas sendo coprófago.

- Olá, o senhor trouxe as fezes e a urina?
- Sim.
- Delícia!
- Como?
- Não, eu que como... digo, tudo bem, aguarde um pouco que logo o chamamos.

Comentários

J. Tomaz disse…
Eu poderia fazer uma mega critica aqui... mas...

Só falo que para pessoas que têm paladares apurados e sao curiosas para a comida e bebida conseguem sentir muito mais do que como vc disse: pessoas comuns.

nao dizem que a prática leva a perfeição?
Guilherme disse…
Tomaz, você percebe sensualidade numa macarronada? Ou a elegância de um cachorro quente?
J. Tomaz disse…
e a liberdade poética (no caso, gastronomica)onde fica guilherme???

chato!
Laïse disse…
Você tocou num ponto fraco dele, Guilherme... o Tomaz degusta azeite.
Guilherme disse…
Ah tá. Entendi porque ele ficou sentido.