A busca por Pai Jorginho de Ogum – Parte III

Contatos telepáticos e sorvete de chuchu

Cada cidade do Mato Grosso do Sul fica a centenas de quilômetro da mais próxima. A estrada é uma reta interminável no meio do nada. Parece que a divisa com São Paulo não vai chegar nunca. Quando finalmente chegamos a fronteira, Alfredo Chagas colocou a cabeça para fora do carro e começou a gritar contra a mudança de fuso horário. Desconcentrou os funcionários da usina de Jupiá, quase provocando uma tragédia.

Em São Paulo as retas continuam, mas a vida é mais fácil com as pistas duplas. E as cidades são mais próximas. Andradina, Lavínia, Mirandópolis, Murutinga. Até se pode abstrair um pouco. Finalmente chegamos à cidade de Bauru. Foi então que tive uma brilhante idéia. Dessas que eu irei me orgulhar por muito tempo. Estava reabastecendo o carro. Alfredo Chagas foi comprar biscoitos e começou a discutir com a caixa da loja de conveniência. Aproveitei e arranquei com o carro deixando Chagas para trás. Acelerei o máximo que eu pude. Num Gurgel, isso não significa muita coisa.

Ele já não poderia nos alcançar. Mas, volta e meia eu pensava que ele seria capaz de unir caminhoneiros e trancar as rodovias até que ele pudesse nos encontrar. Fui o mais longe que eu poderia ir, até parar de novo. Pensei que eu poderia ter um daqueles narizes com óculos e sobrancelhas para me disfarçar de uma possível aparição de Alfredo Chagas. Mas, seria difícil não ser reconhecido ao lado de um cachorro que não tem os braços.

O Cão Leproso, aliás, é um bom companheiro de viagem. Ele não fica falando besteiras, ele não muda a faixa do CD, não fecha a janela que você quer que fique aberta. Só fica parado, olhando para o horizonte. Sabe-se lá o que ele olha.


Quase chegando a Paraty, passei por uma cidade chamada São Luis do Paraitinga. Oswaldo Cruz nasceu nessa cidade. A cidade devia ser limpa, pelo fato de ele ter nascido lá. Ou então poderia ser imunda, para ter despertado em Oswaldo a vontade de ser sanitarista. Não sei. Já estávamos em Ubatuba e me lembrei de uma infame piada de infância. Não, eu não vou contar.

Mas, todos esses pensamentos não eram capazes de me desviar do foco principal. Afinal, o que será esse tal de Borboleta. Finalmente cheguei a Paraty, quase tonto de tanto fazer as sinuosas curvas da estrada.

Paraty é uma cidade que tem um mangue no meio e é cheia de cachorros na rua. Inclusive, acho que o Cão Leproso vai ser pai, pois ele se envolveu com algumas cadelas na praia do Jabaquara. Mas, a grande fama da cidade está nas suas casas antigas, todas pintadas de branco. O centro histórico com o chão de pedras desniveladas. Também acontece uma grande feira de livros. Mas, o evento aconteceu antes da minha chegada.

Passei três dias tentando descobrir o que era o tal do borboleta. Você pode até pensar que é muito tempo. E realmente é, mas, oras, eu estava em Paraty, não ia ficar só procurando um maldito maluco amigo de um pai-de-santo charlatão.

As ruas da cidade são quase todas iguais. E em cada canto que você passa, encontra uma igreja. Tive a impressão de passar pela mesma rua várias vezes. Passei por hippies, maconheiros, índios que vendem artesanato. O Cão Leproso então me disse que queria um sorvete de chuchu. Eu falei para ele que isso não existia. Ele me disse que existia sim. Perguntei a ele se ele queria apostar e levei minha mão ao encontro da dele. Percebi que não se aposta com o Cão Leproso.

Fomos então procurar uma sorveteria. E acreditem, o sorvete de chuchu realmente existia. Isso era um sinal do fim dos tempos. Eis então que uma dúvida se passou pela minha cabeça. Esse sorvete de chuchu seria apenas uma demência daquela sorveteria em questão, ou outros estabelecimentos comerciais alimentícios também estariam praticando este crime contra humanidade? Fui à outra sorveteria.

Chegando a porta da sorveteria, avistei um velho com uma barba branca que ia até a altura do peito e com uma roupa amarela de cetim. Elogiava a camiseta laranja de uma moça, e dizia que no dia anterior ele usava essa cor. Vendia um monte de coisas coloridas e esquisitas. E falava coisas sem sentido o tempo todo. Sim, esse maluco devia ser o borboleta.

Cheguei ao lado dele, e ele começou a latir para o Cão Leproso. Pensei se isso valeria à pena, ele parecia ser meio perigoso. Mas, criei coragem e perguntei se ele era o borboleta. Ele me olhou com uma cara esquisita, como se tivesse descoberto um segredo. Disse “Estranho, ninguém me chama assim há anos”. Logo ele explicou que é porque ninguém o chama, nunca, ele não tem amigos. A exceção de uma pessoa. “Pai Jorginho” perguntei. Ele me olhou ainda mais estranhamente, como se eu estivesse lendo sua mente.

Ele fez um sinal positivo com a cabeça e me contou uma longa história. Cheia de misticismos. Duendes, anões, fadas. Em certo momento ele disse que o Dunga era um bom treinador de futebol. Mas, algumas coisas me pareciam verdade. Borboleta foi o maqueiro da equipe do Flamengo em que Pai Jorginho foi centroavante. Os dois desenvolveram uma sólida amizade, e no período de convivência, borboleta começou a ensinar a Jorginho, a arte da mediunidade.

Veio então a fatídica derrota por 7x0 para o time reserva das crianças cotocas da Botsuana e a ira da torcida. Borboleta, junto com Pai Jorginho e Marcão foram viver um tempo em Itaipava. Até que foram descobertos, e cada um foi para seu canto. Borboleta foi para Paraty e os dois membros do CH3, foram parar em Cuiabá. Perguntei o porquê dessas escolhas. Ele me disse que foi para Paraty, porque a cidade é cheia de malucos nas ruas. E Pai Jorginho foi para Cuiabá, porque lá as pessoas aceitam qualquer coisa. “Como assim?” perguntei. Ele respondeu “Oras, em Cuiabá, existem pessoas que pensam seriamente em votar no Walter Rabelo. Lá elas aceitam qualquer coisa”. Este argumento foi convincente.

Borboleta então me disse que durante 20 anos manteve contatos apenas telepáticos com Pai Jorginho. Isso me causou um estranhamento. Pai Jorginho realmente entendia de telepatia. Ele sempre me pareceu um charlatão. Mas, na semana anterior Pai Jorginho veio se encontrar com ele. Perguntei e “onde é que ele está agora?” já pensando que finalmente a jornada teria fim. “Ele já não está mais aqui", respondeu. “Filha da puta” pensei. E onde afinal ele foi parar?

No Alto Caparaó. Foi a resposta do Borboleta. Nunca tinha ouvido falar desse lugar. Perguntei se ele sabia o motivo dessa jornada do pai-de-santo. “Ele está atrás do direito intocável do ser humano”. Perguntei se ele tinha tirado essa frase de dentro de um biscoito da sorte chinês. Ele não me respondeu. Agradeci a ajuda do velho maluco e fui ao Google procurar onde é que ficava esse tal do Alto Caparaó. Ficasse onde for, eu iria lá para buscar o Pai Jorginho. Quer dizer, se ficasse no Togo, eu não ia não.

Comentários

Gressana disse…
Essa busca está cada vez mais emocionante!!
Nem eu conhecia essa história de "Borboleta".
Hahahaha!
Laïse disse…
quando comecei a ler o post eu decidi que iria comentar as estradas de mato grosso do sul, mas ao final, depois de tanto misticismo e walter rabello, acho que não consigo...
Thiago Borges disse…
Tenho certeza que esse Borboleta sabe mais do que disse saber...