Quase todos os dias de manhã, quando estou indo para o meu trabalho, eu passo por um furgãozinho, um Doblò talvez, de uma empresa chamada Doutores do Clima. Eles são especialistas em limpeza e instalação de aparelhos de ar-condicionado, uma demanda que provavelmente nunca vai parar de crescer nestes tempos de aquecimento global.
O motorista do veículo, que talvez seja uma picape Montana adaptada, tem uma rotina ridiculamente parecida com a minha. Mora perto, sai de casa em um horário próximo, utiliza uma rota semelhante de deslocamento. O fato é que o nome da empresa se fixou em minha mente.
Eles têm uma página no Instagram onde informam que já fizeram mais de 10 mil atendimentos e que 100% dos agendamentos foram atendidos com pontualidade, o que não deixa de ser uma marca impressionante em um país conhecido por agendar compromissos pontualmente atrasados.
Mas o que fez com que a marca ficasse presa em minha cabeça não foi o seu imponente nome. Se autointitular doutor de uma profissão técnica é, certamente, uma grande estratégia. Só consigo imaginar instaladores de ar-condicionado utilizando jalecos brancos e estetoscópios para auscultar os compressores. Também não foi a bela logomarca em azul e verde, semelhante a um pictograma de vento que estampa os seus carros - tenho quase certeza que é mais de um modelo.
A grande marca é o slogan: “Inovação em Limpeza de ar Split”.
Os aparelhos do tipo split são uma novidade recente. Eles se popularizaram há menos de 20 anos, quando começaram a aposentar os ruidosos aparelhos de janela. Modernos, com design elegante, controlados por controles remotos e muito mais fáceis de serem regulados, esses aparelhos são uma invenção e tanto. Uma inovação.
Vez por outra eles precisam ser limpos em um processo que envolve a desmontagem da sua frente, a retirada dos filtros e utilização de água e outros produtos de limpeza, notadamente o detergente neutro. Um processo tão simples que é um pouco difícil de inovar.
Fico me perguntando se os Doutores do Clima inventaram uma maneira de limpar o ar-condicionado sem desmontá-lo. Ou uma limpeza remota, aproveitando que muitos desses aparelhos mais modernos tem conexão wi-fi. Ou se eles apenas têm um atendimento bom e cordial, deixando tudo limpinho¹ após realizar o serviço e utilizam a palavra inovação como forma barata de marketing.
Inovação é uma palavra de oito letras que está sempre em voga. Está em artigos escritos por mentes disruptivas na internet, em pensatas do Instagram e sendo estimulada por especialistas no mercado financeiro, coachs autodidatas, acadêmicos de direito e demais profissionais liberais.
A inovação seria o segredo do crescimento da Coreia do Sul, a resposta para a cura do câncer e o caminho para independência financeira e a conquista do primeiro milhão antes dos 30 anos.
Segundo a IA do Google, a inovação é “a criação ou aprimoramento de produtos, serviços, processos ou métodos que agregam valor e solucionam problemas”. Segundo a Wikipédia, seria “um processo criativo, transformador, que promove ruptura paradigmática, mesmo que parcial, impactando positivamente a qualidade de vida e o desenvolvimento humano”. Já para o dicionário Michaelis é o “ato ou efeito de inovar”. E inovar é “fazer inovações”. Assim você me complica, Dr. Michaelis.
Assim como qualquer palavra bonita que se populariza de maneira irredutível, a inovação logo se banaliza. Porque, vejamos, inventar a roda é uma inovação. O Smartphone foi uma inovação. Bater punheta pode ter sido uma inovação. Agora, bater punheta com a mão invertida, me parece que não é.
O setor imobiliário é campeão em utilizar a palavra. Recentemente uma grande construtora de prédios tinha um outdoor na cidade anunciando que o seu novo prédio seria “uma inovação no conceito de morar”. Outro anúncio dizia que seu empreendimento seria “uma nova forma de viver o luxo”.
Não tenho a menor ideia de quem criou o conceito de morar, mas ele deve ter surgido na época da transição do nomadismo para uma sociedade caçadora e coletora. Ter um endereço fixo coberto que pouco a pouco foi ganhando mais comodidades, até chegar a interruptores comandados por aplicativos. Inovar o conceito de morar é um desafio e tanto.
(Já inovar em formas de viver o luxo deve ser mais fácil. Se você chegar a conclusão de que agora luxo mesmo é ter cascata de esperma no jardim e criar um sistema que consiga manter 500 litros de porra circulando e jorrando ininterruptamente, eu teria muitas dificuldades em defender que isso não é inovar).
No fim das contas, a palavra inovação se transformou em uma grande muleta para publicitários, que muito provavelmente buscam uma forma de inovar nas propagandas.
E aqui chegamos ao paradigma: a inovação só tem valor se ela for algo difícil de ser conquistado, uma benção ao alcance de poucos iluminados que habitam o planeta terra. Caso ela seja algo que possa ser atingido por pessoas que limpam ar-condicionado em uma cidade periférica, ela perde valor e deixa de ser tão importante e digna de figurar em TED Talks por aí. Ela deixa de ser a possível cura do câncer e nos faz pensar que o desenvolvimento da Coreia do Sul tem alguma explicação extra.
Seria isso uma ruptura paradigmática?
¹Aqui reside uma grave acusação de que seus concorrentes são porcos imundos.


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