"Nada é pior do que um teste de seleção de Papai Noel"

O telefone tocou no meio da tarde e do outro lado alguém tentava me fazer cair em um trote do falso sequestro. Depois de prestar um tempo naquela encenação patética em que uma inexistente filha minha estaria na companhia de perigosos bandidos, filha essa que tinha um tom de voz semelhante às de imitações do lutador Anderson Silva, desliguei o telefone sem mais explicações.

O mesmo número voltou a me chamar no minuto seguinte e eu comecei a pensar que teria que autorizar a morte dessa minha filha inexistente. No entanto, do outro lado a voz me perguntou “qual é porra, não tá me reconhecendo mais?”. No fim das contas descobri que era o Papai Noel do Jardim Europa, personagem descoberto neste blog em 2013, oportunidade em que pude acompanhar sua atuação em uma noite de natal. Papai Noel fez amizade com alguns integrantes do blog e chegou a participar de um inesquecível Reveillon na Casa de Diversão Noturna Carnicentas. Dois anos atrás, ele foi preso vestido de Papai Noel, vendendo drogas na região do porto cuiabano.

Perguntei se ele me ligava de dentro da prisão, mas ele disse que não, que havia conseguido uma condicional por bom comportamento no tempo em que permaneceu detido. “Fui um bom velhinho, ho ho ho”, disse antes de gargalhar ao telefone. Perguntou se ele poderia me encontrar, porque ele queria contar um pouco sobre sua vida e fazer um alerta para as próximas gerações. Aceitei. Os encontros com Papai Noel sempre rendem ótimas pautas.

Perguntei se ele queria tomar um chope, mas ele me disse que não, que estava limpo nos últimos meses e que se fosse visto bebendo na rua poderia ter problemas com a Justiça. Pensei bem e falei que era melhor ir na casa dele, porque seria muito estranho sentar para tomar um açaí com um cara vestido de Papai Noel.

Cheguei a sua casa que parecia carcomida pelo tempo, o mato crescia de maneira assustadora. Papai Noel pediu desculpa pela bagunça, disse que não teve muito tempo para cuidar da casa desde que saiu da prisão. “Fizeram uma baita sacanagem comigo”, logo emendou. Sua prisão chegou ao Conselho Mundial de Papais Noéis e ele teve o seu registro cassado. Neste ano, ele é um desempregado. “Outro filho da puta já tomou o meu lugar e tá aí distribuindo presentes no meu bairro. Desgraçado. O mundo fica esperando um erro seu para te destruir”.

Papai Noel ficou visivelmente emocionado ao lembrar de sua trajetória, as dificuldades para ser um representante oficial da Lapônia. “Eu me lembro de como tudo começou, dos primeiros testes. Nada é pior do que um teste de seleção de Papai Noel. Aquela sala de espera cheio de caras vestidos de vermelhos, pessoas com barbas postiças ridículas. Uma salinha com Chroma Key e um diretor mandando você dar o seu melhor. Porra, dar o melhor em rir e posar com criancinhas cheias de catarro”.

Sem poder entregar presentes e trabalhar oficialmente, Papai Noel tem ganhado a vida fazendo bicos em confraternizações aleatórias. “Todo mundo sempre precisa de um Papai Noel, porque as pessoas por alguma razão misteriosa acham legal colocar um cara fantasiado em uma confraternização de fim de ano, mesmo que só de adultos”. Nos últimos dias, ele fez um pouco de tudo, em oficinas mecânicas, mercearias de interior e creches deterioradas. “De tudo não, porque eu recusei dois convites para participar de surubas. Acho que fetiche com Papai Noel é algo doentio demais”.

O pior, ele conta, é ter que esconder seu passado. Ninguém quer contratar um Papai Noel que passou dois anos na cadeia. “Errei? Sim, porra. Mas eu nunca seria capaz de vender drogas para uma criança. O meu crime é circunstância dessa sociedade, que quer Papai Noel em suruba de fim de ano, mas que em agosto não oferece um emprego para ele. Eu não sou o único que se embrenhou na contravenção. Meu sofrimento atual, é reflexo da hipocrisia da sociedade”, disse, quase babando no final.

Nos despedimos e ele deixou um recado, se eu poderia ajudá-lo. Quem quiser nesse fim de ano um Papai Noel que trabalhe com marcenaria, frentista de posto, enfim, qualquer coisa, podem procurá-lo que ele está disposto a qualquer coisa. “Quase qualquer coisa. Dar o cu eu não vou dar não, já falei”.

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